quarta-feira, dezembro 26, 2007

As aves, vv.785-789

Eia, andróides de sombria natureza, iguais ao gênio das folhas
apalermadas ficções de barro, inane turba de soturnas almas,
ápteros efêmeros, míseros mortais, homens oniróides,
Prestai atenção a nós, imortais, os que sempre hão de ser,
Os etéreos, os intemporais, os que meditam eternidades....

[Tradução de Antonio Medina Rodrigues]

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Safo: fragmentos

Não minto: eu me queria morta.
Deixava-me, desfeita em lágrimas:

"Mas, ah, que triste a nossa sina!
Eu vou contra a vontade, juro,
Safo". "Seja feliz", eu disse,

"E lembre-se de quanto a quero.
Ou já esqueceu? Pois vou lembrar-lhe
Os nossos momentos de amor.

Quantas grinaldas, no seu colo,
— Rosas, violetas, açafrão —
Trançamos juntas! Multiflores

Colares atei para o tenro
Pescoço de Átis; os perfumes
Nos cabelos, os óleos raros

Da sua pele em minha pele!
[...]
Cama macia, o amor nascia
De sua beleza, e eu matava
A sua sede" [...}

Cai a lua, caem as plêiades e
É meia-noite, o tempo passa e
Eu só, aqui deitada, desejante.

— Adolescência, adolescência,
Você se vai, aonde vai?
— Não volto mais para você,
Para você volto mais não.


Tradução: Décio Pignatari

domingo, dezembro 23, 2007

Catulo 16

Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos,
Aurélio bicha e Fúrio chupador,
que por meus versos breves, delicados,
me julgastes não ter nenhum pudor.
A um poeta pio convém ser casto
ele mesmo, aos seus versos não há lei.
Estes só tem sabor e graça quando
são delicados, sem nenhum pudor,
e quando incitam o que excite não
digo os meninos, mas esses peludos
que jogo de cintura já não tem
E vós, que muitos beijos (aos milhares!)
já lestes, me julgais não ser viril?
Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos.

Tradução de João Angelo Oliva Neto

sábado, dezembro 22, 2007

Antologia grega 6.1

Eu, a Laís que altiva riu da Grécia, eu que tive outrora
amantes jovens em penca à minha porta,
dedico a Afrodite este espelho, pois não me quero ver
como sou, e não me posso ver como era.

[Tradução de José Paulo Paes]

Antologia grega 9.59

Nove são as Musas, dizem alguns. Quanta negligência!
Eis aqui a décima: Safo de Lesbos.

[Tradução de José Paulo Paes]

Erro de português

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

Canção do exílio facilitada

lá?

ah!



sabiá...

papá...

maná...

sofá...

sinhá...



cá?

bah!

Canção do exílio

Kennst du das Land, wo die Citronen blühen,
Im dunkeln die Gold-Orangen glühen,
Kennst du es wohl? — Dahin, dahin!
Möcht ich... ziehn


Goethe.

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;

Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Coimbra - Julho de 1843



[Tradução da epígrafe: "Conheces o país onde os limões florescem/E laranjas de ouro acendem as folhagens?/[...]Conheces o país?/É onde, para onde/Eu quisera ir contigo, amado!Longe! Longe!" - Haroldo de Campos]

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Arquíloco - Fr.2W

Com a lança eu alcanço
meu pão de cevada;
com a lança eu consigo
o meu vinho ismárico;
na lança apoiado
eu bebo esse vinho.

[Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos]

Catulo, 85

Odi et amo. Quare id faciam fortasse requiris
Nescio, sed fieri sentio et excrucior.


Odeio e amo. Talvez queiras saber "como?"
Não sei. Só sei que sinto e crucifico-me.

[Tradução: João Ângelo Oliva Neto]

Calímaco - Epigrama 28P

Eu odeio o poema cíclico; da estrada
que muitos leva, traz, aqui e lá, não gosto.
Que vagueia detesto amante nem da fonte
bebo e me afasto do lugar comum.
Lisânias, tu és belo, belo, sim, mas antes
que o diga o Eco, alguém diz: "Outro o tem"

[Tradução: João Angelo Oliva Neto]

Píndaro - 11ºOlímpica

Aos homens há por vezes de ventos mais que tudo
precisão. E de celestes águas,
chuvosas filhas da nuvem.
Mas se com esforço alguém bem se
fez, melissonantes hinos,
começo de longa fama,
se perfazem, fiel penhor
de ingentes gestas.
Sem inveja, aos que vencem em Olímpia
esta loa se consagra. E tal é pasto de minha língua,
mas vem de deus homem em sábios
dons florescer. Se é assim,
sabe agora, Hagesidamo,
filho de Arquéstrato, por tuas pugnas, que
ornato à coroa de áurea oliva
um canto farei soar doce,
cuidando na raça dos Locros Zefírios. Tomai
parte, Musas, nesta festa, que garanto:
até vós ao encontro um povo
não virá hostil ao hóspede
nem avesso ao belo, mas
de agudo saber e lutar. Congênito,
rubra raposa e rugientes leões não vão permudar caráter.


[Tradução: João Angelo Oliva Neto]

Horácio, I.27

Natis in usum laetitiae scyphis
pugnare Thracum est; tollite barbarum
morem uerecundumque Bacchum
sanguineis prohibete rixis.

Vino et lucernis Medus acinaces
immane quantum discrepat; impium
lenite clamorem, sodales,
et cubito remanete presso.

Voltis seueri me quoque sumere
partem Falerni? Dicat Opuntiae
frater Megyllae quo beatus
uolnere, qua pereat sagitta.

Cessat uoluntas? Non alia bibam
mercede. Quae te cumque domat Venus
non erubescendis adurit
ignibus ingenuoque semper

amore peccas. Quicquid habes, age,
depone tutis auribus. A! miser,
quanta laborabas Charybdi,
digne puer meliore flamma.
Quae saga, quis te soluere Thessalis
magus uenenis, quis poterit deus?
uix inligatum te triformi
Pegasus expediet Chimaera.


Entre os copos brigar ao prazer dados,
É dos trácios:tirai bárbara usança,
E comedidos resguardai a Baco
de sanguinosas rixas.

Quão longe está do vinho, e das lucernas,
O medo alfange! Moderai, ó sócios,
Esse alarido ímpio e recostados
ficai ao curvo braço.

Quereis que eu também parte do severo
Falerno beba? De Megila Opuncia
Diga o irmão, com que golpe, com que seta,
Afortunado morra.

Não quer? Pois eu não bebo de outra sorte:
Qualquer que seja o teu amor, não ardes
Em vergonhosas chamas; sempre pecas
Por um amor decente.

Eia tudo que tens, em meus ouvidos
fiéis depõe! Ah! Mísero mancebo,
Em qual Caribde lidas afanado,
Digno de melhor chama!

Qual bruxa, ou mago com os tessálios filtros,
Qual Deus soltar-te poderá! Apenas
Te livrará, o Pégaso, ligado
à triforme Quimera.

[Tradução: Elpino Duriense]

Horácio, Ode I.8

Lydia, dic, per omnis
te deos oro, Sybarin cur properes amando
perdere, cur apricum
oderit Campum, patiens pulueris atque solis,
cur neque militaris
inter aequalis equitet, Gallica nec lupatis
temperet ora frenis.
Cur timet flauum Tiberim tangere? Cur oliuum
sanguine uiperino
cautius uitat neque iam liuida gestat armis
bracchia, saepe disco
saepe trans finem iaculo nobilis expedito?
quid latet, ut marinae
filium dicunt Thetidis sub lacrimosa Troia
funera, ne uirilis
cultus in caedem et Lycias proriperet cateruas?


Ó Lídia, dize, pelos Deuses todos
Te rogo, por que a Sibaris te apressas
perder com teus amores?

Por que aborrece o campo descoberto,
Afeito ao pó e ao sol? por que soldado
Com os iguais não cavalga,

Nem com os dentados freios doma as bocas
Galezas? Por que teme o flavo Tibre
Tocar? E por que cauto

Mais que o vipéreo sangue, o óleo evita?
Nem traz os braços já das armas roxos
Ilustre arremessando

Ora o disco, ora o dardo além da meta?
Por que se encobre como o filho, dizem,
Fez da marinha Tétis,

Perto dos lacrimosos fins de Tróia;
Por que o traje viril o não lançasse
à morte, e às lícias tropas?


[Tradução: Elpino Duriense]

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Anacreonte Fr.96 D

Não gosto de quem, bebendo vinho junto do crater repleto,
Canta dissensões e guerras cheias de lágrimas,
Mas de quem, misturando das Musas e de Afrodite os dons esplendorosos,
Celebra a amável alegria.

[Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira]

Safo 50 D

O amor - súbita brisa
que nas folhas tropeça -
meu coração deixou tremente.

[Tradução de Jorge de Sena]

Paulo Leminski # 3

um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada

depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lórca um éluard um ginsberg

por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Domina ou cala. Não te percas, dando
Aquilo que não tens.
Que vale o César que serias? Goza
Bastar-te o pouco que és.
Melhor te acolhe a vil choupana dada
Que o palácio devido.


Ricardo Reis
As Rosas amo dos jardins de Adônis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.

Ricardo Reis

Teógnis

1.
Jamais, Cirno, profiras palavra arrogante; pois ninguém sabe
o que a noite e o dia proporcionam a um homem [Teognidea, vv.159-160]


2.

Que jamais um novo cuidado me apareça
que não a virtude e a sabedoria; antes, mantendo
só esse cuidado para sempre
possa eu regozijar-me com a lira, a dança e o canto,
e entre os bons conservar meu nobre espírito [Teognidea,vv. 789-793]

3.
Aos bons, uns criticam demais, outros elogiam;
dos maus, nenhuma lembrança fica.
Entre os homens, sobre a terra, irrepreensível ninguém é;
mas, melhor, se não chamar a atenção da turba. [Teognidea,vv. 796-800]

[Traduções: Daisi Malhadas e Maria Helena da Moura Neves]

domingo, dezembro 16, 2007

Safo - fr.170

Morrer é um mal – assim decidiram os deuses
eles que não morrem.

[Tradução: Joaquim Brasil Fontes]

Xenófanes de Colófon - Fr.2 Diehl

Mas se alguém alcançar a vitória com a velocidade
dos pés, ou do pentatlo, - onde fica o santuário de Zeus,
junto das águas de Pisa, em Olímpia - ou na luta,
ou porque sabe a arte dolorosa do pugilato,
ou ainda num concurso terrível chamado o pancrácio
será mais ilustre à vista dos seus concidadãos
terá o lugar de honra mais aparatoso nos jogos,
e alimentação a expensas públicas
da sua cidade, e uma dádiva, que será para ele um tesouro.
E se ganhar com cavalos, tudo isto ele obterá,
sem ser tão digno como eu. Pois melhor do que a força
dos homens e corcéis é a nossa sabedoria.
É isso um modo de pensar leviano e não é justo,
preferir a força à notável sabedoria.
Pois nem que vivesse entre o povo um notável pugilista,
ou um homem hábil no pentatlo ou na luta,
ou na corrida, que tem a preferência,
e tantos atos de força demonstrasse no combate,
nem por isso a cidade estaria em melhor ordem.
Pequeno prazer seria para a urbe
alguém que vencesse nas provas das margens do Pisa.
Pois não é isso que enche os cofres da cidade.

[Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira]

Íbico - Fr.22b Page

Quando a gloriosa, insomne madrugada desperta os rouxinóis...

[Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira]

Arquíloco - Fr.30W

Deleitava-se se tinha um ramo de mirto
ou a bela flor da rosa

[Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira]

Safo- fr. 2 L-P

Há um murmúrio de águas frescas, através
dos ramos das macieiras, as rosas ensobram
todo o solo, e das folhas trémulas
escorre o sonho.

[vv.5-8. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira]

Mimnermo: Fr.2 Diehl

Nós, como em tantas flores faz a primavera
Folhas se abrirem, quais flores tenras,
Ébrios vamos vivendo efêmero fulgor,
Sem saber nada do que os deuses tramam!
As negras Parcas nos espiam, entretanto,
Uma em torturas finda nossa idade,
Outra costura a morte, e dura a juventude
O tanto quanto o sol passeia ao solo.
Morrer prefiro, antes que suma a primavera.
No fim das flores, crescem na alma os males,
E, consumada a queda, sobra a mágoa:
Um cai dentro do Inferno, uivando os filhos
Que não teve, outro adoece e morre, qual!
Aos males que nos manda Zeus ninguém escapa!

[Tradução: Antonio Medina Rodrigues]

Píndaro - 1º Ode olímpica

Água é o melhor de tudo: o ouro incandescente
À noite brilha no exceder-se da riqueza.
Se os prélios, ó minh'alma, anseias celebrar,
Brilhante, mais que o sol, tu nada encontrarás,
Quando no céu se queima, encastelado, o dia.
Melhores prélios que os olímpios tu não cantas!
De lá desatam-se mil vozes,
A incitar o gênio dos artistas,
Para gáudio de Zeus, filho de Crono,alçando-se
Dos ricos tetos do herói Hierão,
Que na Sicília, prenhe de manadas, tem

Um cetro e colhe da virtude a fina essência,
E a si cultiva com deslumbres musicais,
Com que em sua mesa nós também somos honrados!
A dória lira enceta, se de Ferenico,
Em Pisa, o trote belo te empolgou,
Quando às margens do Alfeu,
Num solavanco, sem espora e sem chicote,
A seu senhor nessa carreira deu a taça.

Do cavaleiro rei de Siracusa, a glória
Rebrilha na colônia dos heróis, fundada
Por Pélops, a quem o Abala-terra amou,
Posídon, desde que viu Cloto retirá-lo
À mágica bacia, co'as espaldas lúcidas,
Ornato de marfim. Espanto há neste mundo,
Onde a saga dos homens se deturpa sempre,
E as narrativas mentirosas,
mesmo buriladas, sempre desanimam.

Ilude sempre o mel da graça o pensamento
Aos que estão vivos, o que é falso vira ser,
Veraz e costumeiro: só em vindouros dias
Os testemunhos confiáveis nos teremos.
Só coisas belas é veraz falar dos deuses,
Que assim menor vai ser a nossa culpa! Ó filho
De Tântalo, de ti, contra os antigos, vou
Falar: quando teu pai os deuses convidou
Para um banquete no alto da montanha, em Sípilo,
O lúcido senhor do garfo de três pontas
Te enlevou alucinado de desejo em seus
Corcéis de ouro para Zeus de amados paços,
Como depois também viria Ganimedes
Para honrar Zeus, e foi por isso que sumiste!
Contudo, à tua mãe, de mãos vazias voltam
Os que a buscar-te ela mandara, e então falaz
Vizinho por inveja diz que em flama ardente
E n'água borbulhante os membros co'uma faca
Te cortaram para seres pasto no banquete.

É impossível chamar-se um deus de canibal!
Eu me recuso! A impunidade não compensa
Esta calúnia.Ora, se alguém no Olimpo honrado
um dia foi, ninguém o foi melhor que Tântalo.
Mas conviver ele não soube com a glória.
A ganância foi levá-lo para a suma desventura,
Pois uma pedra Zeus lhe pôs sobre a cabeça,
Que ele tem sempre que afastar, pra sua inglória.

E a vida sob tal desgraça lhe foi dura,
Após o néctar ter roubado aos imortais,
E mais a ambrósia que confere a eterna vida,
E tê-los aos convivas dado num banquete.
Erra quem pensa se ocultar de um deus,
Ao praticar um mal. Por isso os deuses
O filho dele despediram para o mundo
Dos mortais, e quando em flor ao queixo
Lhe cobriu penugem negra, ele cuidou

Em Pisa se casar com Hipodâmia bela,
No escuro, vindo só, e o mar acinzentado,
E a Posídon-dos-Ruídos-Retumbantes invocou,
E o deus de pé lhe apareceu, e o herói
Lhe disse: "Se os dons de Vênus terna têm
Encanto, ó Posídon, a espada de Oinomao
Tu paralisa, e a mim me leva a Élis
No mais rápido corcel que tu tiveres,
Porque tal pai matou os treze que sua filha
Desejaram desposar, e assim vai retardando
Um casamento, mas um risco não arrasta
A um homem sem valor. Por que me iria consumir
Em vil velhice, à sombra recostado, em vão,
E sem provar da formosura? O prêmio eu tenho
À minha frente, a tua ajuda não me negues".
E as palavras que ele usou não foram vãs.
O deus lhe deu para ajudá-lo um áureo carro
Com corcéis que, alados, não se cansam nunca.

Com tal donzela ele casou, pois superou
Ao bravo pai, e dela teve filhos ínclitos,
Ao todo seis, a conduzir nações, e ao túmulo
Deitado junto ao rio Alfeu, exposto jaz
Pras santas libações, perto do altar que mais
Recebe visitantes, e alta brilha assim a glória
De Pelops nas disputas Olimpiais,
Seja no curso ou força bruta, e goza
O vencedor sua glória toda a vida, doce
Como a colmeia, cumulado de regalos,
Pois os dons que não se perdem são para sempre.
A mim compete coroar então ao grão patrono,
Ou quer na lira eólia ou síncope dos trotes,
Pois nunca irão louvar os hinos meus alguém
Que mais adoração demonstre ao grandioso
E ao belo como tu, Hierão, que um deus sempre te siga!
Mais doce a mim será te celebrar em teu triunfo,
Quando um carro vais de Cronos à colina,
Buscar razões mais dignas de encômios,
E as setas mais potentes guarda para mim
A musa, maiores umas do que as outras,
Porque são dos reis! Ao longe não me olhes,
Olhar ao céu é o que te cabe,
E a mim juntar-me aos vencedores,
E espalhar por Grécia toda a flama dos meus versos.


[Tradução: Antônio Medina Rodrigues]

Estrela da manhã

Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecais por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra
[e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás

Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã

(Manuel Bandeira)

Horácio I.5

Quis multa gracilis te puer in rosa
perfusus liquidis urget odoribus
grato, Pyrrha, sub antro?
cui flavam religas comam

simplex munditiis? Heu quotiens fidem
mutatosque deos flebit et aspera
nigris aequora ventis
emirabitur insolens,

qui nunc te fruitur credulus aurea,
qui semper vacuam, semper amabilem
sperat, nescius aurae
fallacis. Miseri, quibus

intemptata nites. Me tabula sacer
votiva paries indicat uvida
suspensisse potenti
vestimenta maris deo.


Que delicado moço, em muitas rosas,
Banhado em cheiros líquidos te afaga,
Ó Pirra, sob a bela gruta? A flava
coma para quem atas,

Singela nos enfeites? Ai que vezes
A fé, e os Deuses chorará mudados,
E estranhará novel de ver os mares
com negro vento irosos.

O que ora de ti bela goza crédulo;
Que doutro sempre isenta, sempre amável
Te espera, e ignora, quanto a aura engana.
Desgraçados aqueles,

A quem tu brilhas não tratada: sacra
Parede no votivo amostra,
Que eu pendurei ao Deus, senhor dos mares,
os úmidos vestidos.

[Tradução: Elpino Duriense]

Transcriação de Haroldo de Campos

Horácio I.11

Tu ne quaesieris - scire nefas -, quem mihi, quem tibi
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
temptaris numeros. Ut melius, quidquid erit, pati,
seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum: sapias! Vina liques et spatio brevi
spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit invida
aetas: carpe diem, quam minimum credula postero.


Saber não cures, (é vedado) os deuses
A ti qual termo, qual a mim marcaram,
Nem consultes, Leuconoe,os babilônios
Cálculos, porque assim melhor já sofras
Tudo quanto vier, ou te dê Jove
Muitos invernos, ou só este, que ora
o Mar tirreno nas opostas rochas
Quebra. Tem siso, o vinho côa, e corta
em vida breve as longas esperanças.
Ínvida idade foge: colhe o dia,
Do de amanhã mui pouco confiando.

[Tradução: Elpino Duriense]

Ricardo Reis

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, e nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimentos demais aos olhos,
Nem cuidados porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois,
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos,
nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

sexta-feira, novembro 30, 2007

Anacreonte - Fr.357

Soberano, com quem o Amor subjugador
e as ninfas de olhos azuis
e a purpúrea Afrodite
brincam, quando estás
nos altos píncaros das montanhas!
Suplico-te; e tu de espírito compassivo
vem até mim, para ouvires
a minha grata prece.
Sê bom conselheiro de Cleobulo,
para que o meu amor,
Ó Dioniso, ele aceite.

(Trad. Frederico Lourenço)

quarta-feira, novembro 28, 2007

Safo 105 L-P

Tal uma doce maçã rubra, que brilha no alto dos ramos,
mesmo no cimo de tudo, esquecida dos que andavam na colheita,
- esquecida não, é que não conseguiram antingi-la.

[Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira]

segunda-feira, novembro 26, 2007

Anacreonte, Fr.68 Page

Com um grande machado, tal um ferreiro, de novo,
Eros me bate e mergulha-me numa torrente invernal.


Tradução: Maria Helena da Rocha Pereira

terça-feira, novembro 20, 2007

Simônides - 521 PMG

Sendo homem, não digas nunca o que acontece amanhã
E, se vires alguém feliz, quanto tempo o será.
Rápida como o volver de asas de uma mosca,
Assim é a mudança da fortuna.


Tradução: Maria Helena da Rocha Pereira

domingo, novembro 11, 2007

Arquíloco - Fr.193W

Voraz tesão, mofino, arfante, inclina-me:
Na areia as moles carnes, e mais nada:
Pois a ossatura já moeram os deuses na porrada.

[Tradução: Antônio Medina Rodrigues]

Anacreonte 358 PMG

O amor dos cabelos de ouro
lança-me a bola vermelha
e quer que eu jogue com a moça
das sandálias coloridas.

Mas a jovem — que é de Lesbos,
a bem construída — faz pouco
de meus cabelos já brancos
e olha ardente para um outro.

[Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos]

sábado, outubro 20, 2007

Teogonia 116-122

Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também
Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre,
dos imortais que têm a cabeça no Olimpo nevado,
e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias,
e Eros: o mais belo entre Deuses imortais,
solta-membros, dos Deuses todos e dos homens todos
ele doma no peito o espírito e a prudente vontade.

[Tradução de Jaa Torrano]

quinta-feira, outubro 18, 2007

Anacreonte # 2

1.
Traz essa taça, ó rapazinho,
Para que agora um trago eu prove,
E cinco doses põe de vinho,
Uma de água com mais nove.
Eu decidi, sem insolência,
Honrar a Baco em compromisso,
Dispenso agora a exigência,
O formalismo, e mais serviço!
Não quero claque ou audiência. [Fr.4 Diehl]

2.
Detesto quem evoca
Prantos da fera guerra,
Enquanto os lábios molha
Ao vinho da cratera.
Por isso eu amo quem
Mistura Musa e Vênus,
E os dons da farra tem,
Esplêndidos, serenos.

3.
Alva me restou a fronte,
Me são têmporas grisalhas,
Vão meus verdes anos: onde?
Já meus dentes são limalha!
Resta-me viver da vida
Um sopro que vai morrendo,
Por que choro sem guarida?
Pelo Tártaro, que é horrendo.
Mas terrível é que a ida
Não tem volta, é só descendo.

Alceu - Fr.357 LP

Reluz em bronze a sala. De elmos brilhantes todo o teto está
apinhado, onde se ondeiam crinas alvas de cavalo, que hão de
ornar a testa dos guerreiros. E dos ganchos penduradas, mil luzidas
caneleiras são o aval contra uma lança poderosa. De linho
novo revestidas,as couraças juncam-se no chão, em meio a
côncavos escudos. Espadas da Calcídia pelos lados, montes de
túnicas e cinturões. Que não se esqueça coisa alguma, que a
peleja se aproxima.

[Tradução: Antônio Medina Rodrigues]

Íbico

Alçam-se os marmeleiros na primavera,
E os romanzeiros na vazão dos rios,
Onde o jardim das virgens sensualizam rosas.
Dulçura exorbita em gomos, sob os pâmpanos.
Contudo, a mim, jamais o amor me adoça ou passa.
Tortura-me deus Eros, como o Bóreas trácio,
Quando seus trovões da Cípria assopra
Roucos, indefensáveis, tenebrosos,
e sob as pálpebras de névoa,
Eros, por cima, cálido me espia,
Para lançar-me aos laços de Afrodite,
Aos mansos passos de Eros estremeço
Qual cavalo velho, fatigado das vitórias,
E que em carro alucinado, contrafeito,
Lança em últimas contendas a carcaça. [Fr.6D]

[Tradução: Antônio Medina Rodrigues]

Priapo

1.
Por que em mim não tem veste a parte obscena, indagas?
Indaga se algum deus seus dardos cobre:
às claras o senhor do céu detém seu raio,
não se oculta o tridente ao deus das águas;
nem Marte esconde aquela espada com que é bravo
nem Palas guarda a lança em dobras tépidas.
Portando setas de ouro Febo acaso cora?
Diana sói levar, esconsa, a aljava?
E Hércules cobre a massa da nodosa clava?
O deus alado vela o caduceu?
Quem viu Baco estender no grácil tirso as vestes?
E quem, Amor, te viu de rosto oculto?
Não seja crime que meu pau se mostre sempre:
que se esta lança falta, eu sou inerme. [Priapea latina,9]

2.
Quem sejas tu que no meu alvo muro vês
poemas nada castos mas jocosos,
não te ofendas com versos obscenos, meu pau
não há de te fazer franzir o cenho.[Priapea latina, 49]

3.
Matronas castas, ide p'ra bem longe:
palavras sem pudor vergonha é lerdes!
(Não dão a mínima e aqui vêm direto;
Não admira, também matronas vêem,
degustam com prazer um pau enorme.)[Priapea latina,7]

4.
Se menino, enrabar; se menina, foder;
Ladrões barbados têm terceira pena.[Priapea latina,13]

5.
Caia eu morto, Priapo, se não sinto
vergonha de empregar palavras vis,
obscenas, mas se tu, que és deus sem ter
pudor, me mostra teus colhões de fora,
"boceta" e "pau" preciso pronunciar.[Priapea latina,29]

6.
Temos no corpo formas conhecidas.
Febo, os cabelos. Hércules, seus músculos;
o jovem Baco, o aspecto de menina;
Minerva é loira; oblíquo olhar tem Vênus;
Faunos da Arcádia, os chifres na cabeça;
belos pés tem o porta-voz dos deuses;
dá passos desiguais quem guarda Lemnos;
Esculápio tem sempre a barba longa;
ninguém tem peito como o bravo Marte.
E se entre todos me sobrar espaço,
que deus tem pau maior que o de Priapo?[Priapea latina,36]

7.
Pela beleza agrada ver Mercúrio,
pela beleza Apolo é admirável,
belo também Lieu é figurado.
mais belo que todos é Cupido.
Quanto a mim, sei, não tenho belas formas,
porém meu pau é esplêndido e qualquer
menina vai querê-lo mais àqueles
deuses, se não for tola de boceta. [Priapea latina,36]

8.
Tu, p'ra não veres meu viril sinal,
desvia-te como convém às castas.
É claro! A menos que o que temes ver
desejas que te adentre até as vísceras.[Priapea latina,66]

9.
Se, rústico, pareço ter inculta fala,
perdão!, não junto livros, junto frutos.
Mas rude embora, à força eu ouço meu senhor
a ler, e uns termos aprendi de Homero:
p'ra nós o que é "caralho" chama de karákallon,
e o que chamamos "cu" chama de cúleon.
Se merdaléon é aquilo que não tem limpeza,
é "merdaleu" o pinto dos que enrabam.
Mais!: Se a boceta Argiva não quisesse um pau
Troiano, não teria o que a cantasse.
Não fosse tão famoso o pinto do Tantálida,
de nada se queixara o velho Crises.
O mesmo pau tirou do amigo a doce amante:
sendo de Aquiles, quis que fora sua,
e um triste canto o herói cantou à Peletrônia
cítara, estando teso mais do que a cítara.
Na ira então começa a Ilíada famosa
foi o princípio do sagrado canto.
Matéria do outro é a errância do falaz Ulisses
e, a bem dizer, tesão foi que o moveu:
lemos de uma raiz que gera flor dourada
que, embora moly a chamem, era um pau;
lemos que Circe, que a Atlantíade Calipso
do herói Dulíquio o grande dote ansiaram.
Depois, ao ver que mal cobriu seu membro um espesso
ramo, a filha de Alcínoo se espantou.
Mas corre o herói à velha esposa só pensando,
Penélope, na tua bocetinha,
e casta, só ficaste por querer banquetes
e ter de fodedores cheia a casa,
e por saberes no arco o mais valente, assim
falaste aos pretendentes excitados:
"Ninguém, qual meu Ulisses, retesou sua arma,
de força usando ou de perícia. Agora
é morto, e vós! a arma entesai: que verei
quem é que é homem p'ra ser meu homem".
E eu poderia então te dar prazer, Penélope,
mas eu ainda não tinha sido feito.[Priapea latina,68]

[Tradução: João Angelo Oliva Neto]

quarta-feira, outubro 17, 2007

Horácio I.14

O nauis, referent in mare te noui
fluctus. O quid agis? Fortiter occupa
portum. Nonne uides ut
nudum remigio latus,

et malus celeri saucius Africo
antemnaque gemant ac sine funibus
uix durare carinae
possint imperiosius

aequor? Non tibi sunt integra lintea,
non di, quos iterum pressa uoces malo.
Quamuis Pontica pinus,
siluae filia nobilis,

iactes et genus et nomen inutile:
nil pictis timidus nauita puppibus
fidit. Tu, nisi uentis
debes ludibrium, caue.

Nuper sollicitum quae mihi taedium,
nunc desiderium curaque non leuis,
interfusa nitentis
uites aequora Cycladas.


Ó nau, ao mar te tornam novas ondas!
O que fazes? Com força o porto aferra.
Por ventura não vês, que as amuradas
Estão de remos nuas?

Que pelo ligeiro Àbrego ferido
O mastro geme, gemem as antenas?
E sem amarras mal as quilhas podem
sofrer soberbos mares?

Não tens velas inteiras, não tens deuses,
Que em novo perigo sossobrada invoques,
Inda que tu, ó Pôntico pinheiro,
De nobre selva filho,

Inútil geração e nome ostentes:
Tímido nauta nas pintadas popas
não se afiança. Aguarda, se não queres
ser ludíbrio dos ventos.

Tu, que tédio solícito me deste
Há pouco, ora saudade e grão cuidado,
Dos mares foge aparcelados entre
As Cicladas luzentes.

[Tradução: Elpino Duriense]

sexta-feira, outubro 12, 2007

Horácio, 1.9

Garçom, faça o favor,

nada de luxos persas.

Nem me venha com estes

enfeites de tília.

Rosas? Não quero rosas,

Se alguma ainda esquiva

Resta da primavera.

Para mim basta o mirto.

O simples mirto.

O mirto com você

também combina,

Puer, garçom-menino,

ministro do meu vinho,

Que o vai servindo,

enquanto eu vou bebendo

Sob a cerrada vinha.

[Tradução: Haroldo de Campos]

Catulo, 32 - outra tradução

Vamos, minha doce Ipsistila, minha
delícia, meu
pão:
convida-me a passar a tarde contigo.
Se me dás essa chance
tira o trinco da porta e
cancela o restante:
espera-me disposta
para o jogo da dama:

nove vezes, na cama.


A idéia te inflama?
Então, basta de dúvida!
Almoçado a regalo, reclinado em decúbito,
aqui estou,
como falo:

-perfuro túnica e pálio!


Outras traduções: José Paulo Paes, Nelson Ascher, João Angelo Oliva Neto.

Catulo 14b

Se acaso lês estes meus desmandos
e se não te repugna
aproximar de mim tuas mãos

[Tradução: Haroldo de Campos]

Catulo, 39

Egnatius
porque tem dentes brancos
ri à toa.
Se alguém está no banco dos réus
e o advogado arranca lágrimas do júri
Egnatius ri.
Ri.
Em qualquer momento ou lugar.
É seu fraco. Ofensivo
à elegância e à urbanidade.
(creio).
Aprende pois
Egnatius
meu velho:
ainda que fosses da Capital
ou da Sabina
ou de Tibur
um úmbrio sovina ou um etrusco obeso
um lanuvino moreno e de bons dentes
ou
(para incluir meus conterrâneos) um
transpadano ou
de qualquer parte onde se faça um mínimo
de higiene bucal
ainda assim
eu não suportaria os teus dentes ridentes.
nada mais alvar que um riso alvar.
Mas acontece que és celtíbero.

Na Celtibéria
costumam de manhã com a própria urina
enxaguar caninos e gengivas.

Dentes mais brancos?
Maior ração de urina.

[Tradução: Haroldo de Campos]

Catulo, 41 - Outra tradução

Ameana, piranha desfrutável,
me pediu dez mil sestércios
ao todo!
Aquela mesma,
a menina de nariz torto,
comida do banquirroto Formiano.

Parentes e vizinhos dessa moça
chamem o médico,
reúnam (ela não anda boa)
o conselho da família.
Que tem?
Excesso...
de fantasia.

[Tradução: Haroldo de Campos]

Outra tradução: João Ângelo Oliva Neto

Catulo, 13

Vais jantar bem, Fábulo, em minha casa
qualquer noite destas.
Basta que tragas o favor dos deuses
e ainda
o "couvert", o assado, o vinho, muito sal,
uma companheira enxuta
e uma reserva de risadas.
Nessa base, vais jantar bem:
a bolsa do teu Catulo está cheia
de teias de aranha.
Em troca, mera amizade
e o que me resta de raro e refinado:
um perfumne
-Vênus e os amores! -
o aroma - o cheiro da minha dona.
Fábulo,
uma fábula!
Vais virar nariz.

[Tradução: Haroldo de Campos]

Catulo, 82

Quíncio,
queres que Catulo te deva os olhos
e o que há de mais caro que os olhos?
Não lhe roubes o que é
muito mais caro do que os olhos
ou do que há de mais caro que os olhos.

[Tradução de Haroldo de Campos]

Catulo, 3 - Outra tradução

Chorai, coro de Graças e Cupidos,
e todos aqueles que veneram Vênus.
Morreu o pardal de Lésbia.
o doce pássaro de minha namorada,
prenda que ela amava mais que os olhos.
Ave de açúcar, seguia sua dona
como a pupila à mestra.
Sempre mimado em seu regaço
- aqui, ali, saltarinando -
só pra ela ensaiava o gorgeio.
Agora se foi para a terra das trevas
de onde ninguém retorna.
Malditas, malignas sombras do Orco
devoradoras de tudo quanto é belo:
privaram-me de um pássaro belíssimo!
Pobre passarinho de pêsames:
por tua causa, os olhos de minha amada
turvam-se, vermelhos de pranto.

[Tradução de Haroldo de Campos]

Outra tradução: João Ângelo Oliva Neto.

Catulo, 27

Menino do vinho
tu que serves o velho Falerno
enche meu copo do mais amargo:
é a lei de Postúmia,
professora de orgia, uva
mais bêbada que as uvas bêbadas.
Água, ninfa insípida,
sai daqui
- fora! -
linfa
corruptora do vinho. Te manda
para a banda dos austeros.
Aqui
só o puro Tioniano.

[Tradução: Haroldo de Campos]

Menino que vertes velhos Falernos,
me serve, ministro, taças amargas,
que a lei de Postúmia, a mestra, requer,
mais bêbada que uva em mosto embebida.
Fora daqui, águas, ide bem longe
–Ruína do vinho – junto aos severos
Migrai, que este é puro néctar de Baco.

[Tradução: João Ângelo Oliva Neto]

Catulo, 6

Flávio,
se a dona que te delicia
tivesse um pingo de classe
dirias seu nome a Catulo:
não te aguentarias calado.
Estás caído por uma
cadela cadavérica.
De vexame,
calas.
Não passa noites de viúvo:
teu divã é a fala do mudo.
Pétalas, perfumes,
almofadas amassadas,
e esta cama aos abalos, que range e resvala!
Peito magro é leito de farras.
Anda, o nome dessa dona!
Boa
ou má (sim ou não) vou
te lançar as nuvens
no vôo destes versos.

(Tradução: Haroldo de Campos)

Catulo, 91

Um mago há de nascer do conúbio nefando
de Gelus e sua mãe
e que ele aprenda dos persas a arte dos arúspices.
Se a ímpia religião da Pérsia é verdadeira
mãe e filho gerarão(por força) um mago
grato aos deuses
e que há de louvá-los com palavras propícias
liqüefazendo nas chamas entranhas pingues de vítimas.

[Tradução: Haroldo de Campos]

Catulo, 52

Morre sem demora, Catulo!
Nonius, o furúnculo,
senta-se na curul.
Vatinius, agora,
é o cônsul do perjúrio.
Que demora, Catulo!
Morre.

[Tradução de Haroldo de Campos]

Catulo, 38

Cornificius, teu Catulo anda mal,
mal, por Hércules, penas
e mais penas,
cada vez mais, dias a fio,
penas a fio...
E tu nenhuma palavra de fácil
ínfimo
mínimo
consolo!
Me irritas!
Não te importam minhas mágoas?
Manda-me uma nesga de conforto:
um verso
mais escuro que os lamentos de Simônides.

[Tradução Haroldo de Campos]

Catulo, 58

Célio, nossa Lésbia,
Lésbia,
a Lésbia que Catulo amou
mais do que a si mesmo e do que aos seus
agora
em becos e bibocas
suga os membros
(gulosa)
da estirpe magnânima de Remo.

[Tradução de Haroldo de Campos]

Catulo, 86

Quintia formosa est multis. mihi candida, longa,
recta est: haec ego sic singula confiteor.
totum illud formosa nego: nam nulla uenustas,
nulla in tam magno est corpore mica salis.
Lesbia formosa est, quae cum pulcerrima tota est,
tum omnibus una omnis surripuit Veneres.



Quíntia para muitos é bela. Para mim
é longa lisa esbelta.
Até aí eu vou.
No conjunto,
nego que seja "bela": nenhuma finura,
nenhum grão de sal nesse seu grande corpo.

Lésbia é bela. De beleza total.
E dessa graça especial - dom de Vênus -
que subtrai às outras todas juntas.

[Tradução de Haroldo de Campos]

Catulo, 7

Quantos dos teus beijos, Lésbia
serão precisos para que eu diga "basta!"?
Tantas as areias numerosas
da Líbia, onde está Cirene, rica em ungüentos,
entre o oráculo de Júpiter ardente
e o túmulo sagrado do velho Batus,
tanto os astros velando os amores furtivos
dos homens, mal a noite cala,
quantos os beijos que deve dar ao desvairado
Catulo, para fartá-lo de beijos,
sem que os curiosos tenham jeito de contá-los
e as más línguas de vibrar seus agouros.

[Tradução de Haroldo de Campos]

Catulo, 1

A quem dedico este livrinho, novo em
folha,
recém-polido por uma áspera
pedra-pomes?
A ti, Cornelius.
Davas algum valor às minhas nugas
desde quando, único no Lácio,
versavas o Universo
em Três Tomos.
Que saber - Júpiter! -
Que labor!
Aceita, pois,
sem mais,
este meu nada: um
livrinho.
Que ele passe - ó Musa
patrona uirgo
protetora -
o marco do século:
perene.

Alceu - A décima musa

ó

coroada de violetas

sorriso-mel

sagrada

Safo

(tradução: Haroldo de Campos)

Alceu - Fr.96 Diehl

bebamos!
não fazem falta lâmpadas!
basta um dedo de dia para as grandes
copas multiadornadas vamos
ergue-as! o
filho de sêmele e zeus
diôniso
nos deu aos homens vinho
lassidão contra a dor - olvido:
a cada parte de água duas
só de vinho assim
plenas até a borda
bebamos -
uma após a outra - copas
e mais copas!

[Tradução de Haroldo de Campos]


Bebamos! Porque aguardamos as lucernas? Já só há
Um palmo de dia. Retira, célere, dos pregos, as grandes taças.
O vinho que dissipa aflições, doou-o aos homens o filho
de Zeus e Sémele. Deita-o nas taças, uma parte para duas,
cheias até à borda, e que um cálice
empurre o outro.
[Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira]

Outra tradução: Antônio Medina Rodrigues

Mimnermo 1: tìs dè bíos...

que vida sem o consolo
de afrodite - ouro e crisólitos!
melhor morrer quando não mais
o mel do prazer a cripta
do amor furtivo a cama
me disserem: ama!

(Tradução de Haroldo de Campos)


Outra tradução: Antônio Medina Rodrigues

Safo: gênese do poema

vem

lira quelônia

divina:

vira

sompoema

(Tradução: Haroldo de Campos)

Safo 5

Morto o doce adônis
e agora citeréia
que nos resta?
lacerai os seios donzelas
dilacerai as túnicas

(Tradução Haroldo de Campos)

Àlcman de Sárdis

cantam
um por um os distingo
pássaros

temas & timbres:
alcman inventa
em mimolíngua
o canto das perdizes

(Tradução de Haroldo de Campos)


Estes versos [épe] e esta música[mélos], Álcman
a inventou tendo entendido
das perdizes as falas canoras. (Fr.96D)

(Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira)

domingo, outubro 07, 2007

Persas - vv.401-405

(...) "Ó filhos de gregos, ide,
libertai vossa pátria, libertai os vossos
filhos, mulheres, templos e deuses pátrios
e túmulos dos pais, por todos é o combate."

[Tradução de Jaa Torrano]

Cartas a Lucílio I - 2

Tanto aquilo que me escreves como o que oiço dizer de ti fazem-me ter boas esperanças a teu respeito: não viajas continuamente nem te deixas agitar por constantes deslocações. Um semelhante deambular é indício duma alma doente: eu, de fato, entendo que o primeiro sinal de um espírito bem formado consiste em ser capaz de parar e de coabitar consigo mesmo.

Toma, porém, atenção, não vá essa tua leitura de inúmeros autores e de volumes de toda a espécie arrastar algo de indecisão e de instabilidade. Importa que te fixes em determinados pensadores,que te nutras das suas idéias, se na verdade queres que algo permaneça definitivamente no teu espírito.

Estar em todo o lado é o mesmo que não estar em parte alguma! Ora a quem passa a vida em viagens acontece ter muitos conhecimentos fortuitos, mas nenhum amigo verdadeiro; o mesmo sucede logicamente àqueles que não se aplicam intimamente ao estudo de um pensador, mas sim percorrem todos de passagem a correr.

Um alimento que mal é ingerido imediatamente é “devolvido”, não aproveita nem dá força ao corpo; igualmente nada prejudica tanto a saúde como a freqüente mudança de medicamentos; uma ferida não cicatriza quando se lhe aplicam tentativamente diversos remédios; uma planta nunca se robustece se continuamente a mudamos de lugar; nada enfim, por muito útil, conserva a utilidade em contínua mudança. Demasiada abundância de livros é fonte de dispersão; assim, como não poderás ler tudo quanto possuis, contenta-te em possuir apenas o que possas ler.

Dirás tu:”Mas sinto vontade de folhear ora este livro, ora aquele.” Provar muita coisa é sintoma de estômago embotado; quando são muitos e variados os pratos, só fazem mal em vez de alimentar. Lê, portanto, constantemente autores de confiança e quando sentires vontade de passar a outros, regressa aos primeiros. Reflete todos os dias em qualquer texto que te auxilie a encarar a indigência, a morte, ou qualquer outra calamidade; quando tiveres percorrido diversos textos, escolhe um passo que alimente tua meditação durante o dia.

É isso que eu mesmo faço: de muita coisa que li retenho uma certa máxima. A minha máxima de hoje encontrei-a em Epicuro (é um hábito percorrer os acampamentos alheios, não como desertor, mas sim como batedor!) Diz ele: “É um bem desejável conservar a alegria em plena pobreza".

E com razão, pois se há alegria não pode haver pobreza: não é pobre quem tem pouco, mas sim quem deseja mais. Que importa o que temos no cofre, ou nos celeiros, quantas cabeças de gado ou quanto capital a juros, se fizermos as contas não ao que possuímos, mas ao que queremos possuir? Queres saber qual a justa medida das riquezas? Primeiro: aquilo que é necessário; Segundo: Aquilo que é suficiente!

[Tradução: J.A.Segurado Campos]

sábado, outubro 06, 2007

De Atridas os feitos, de Cadmo os louvores
tentei celebrar;
e a lira rebelde só cantos de amores
me quis entoar.
Impus-lhe outras cordas...trabalho perdido!
A lira troquei;
aos feitos de Alcides a nova convido...
e Amor, lhe escutei!

Adeus, grandes homens! Buscai noutra lira
o vosso louvor!
A minha não sabe; não pode; suspira
só cantos de amor.

[Tradução:Antônio F. de Castilho]

Marcial # 3

34

Sempre pecas, Lésbia, com portas sem guardas e abertas,
e teus furtivos amores não escondes
e, mais que teu amante, deleita-te o espectador,
e os prazeres não te são jucundos, se ocultados.
Porém, uma meretriz com véu e tranca a testemunha expulsa e
raras vezes uma fenda se revela no lupanar de Sumêmio.
Aprende com o pudor de Quione ou de Íade ao menos,
pois os sepulcros ocultam estas torpes lobas.
Acaso, demasiado dura te parece minha censura?
Proíbo-te de seres surpreendida, Lésbia, não fodida.

[Tradução: Alexandre Agnolon] in: Mnemozyne, 2.

Rilke - Torso arcaico de Apolo

Wir kannten nicht sein unerhötes Haupt,
darin die Augenäupgel reiften. Aber
sein Torso glüht noch wie ein Kandelaber,
in dem sein Schauen nur zurückgeschraubt

sich hält und glänzt. Sonst könte nicht der Bug
der Brust dich blenden, und im leisen Drehen
der Lenden Könnte nicht ein Lächeln gehen
zu jener Mitte, die die Zeugung trug.

Sonst stünde dieser Stein entstellt und kurz
unter der Schultern durchsichtigem Sturz
und flimmert nicht so wie Raubtierfelle

und bräche nicht aus allen seinen Rändern
aus wie ein Stern: denn da ist keine Stelle,
die dich nicht sieht. Du musst dein Leben ändern.


Não conhecemos sua cabeça inaudita
Onde as pupilas amadureciam. Mas
Seu torso brilha ainda como um candelabro
No qual o seu olhar, sobre si mesmo voltado

Detém-se e brilha. Do contrário não poderia
Seu mamilo cegar-te e nem à leve curva
Dos rins poderia chegar um sorriso
Até aquele centro, donde o sexo pendia.

De outro modo erguer-se-ia esta pedra breve e mutilada
Sob a queda translúcida dos ombros
E não tremeria assim, como pele selvagem.

E nem explodiria para além de todas as suas fronteiras
Tal como uma estrela. Pois nela não há lugar
Que não te mire: Precisas mudar de vida.

[Tradução de Mário Faustino]

Não sabemos como era a cabeça, que falta,
De pupilas amadurecidas. Porém
O torso arde ainda como um candelabro e tem,
Só que meio apagada, a luz do olhar, que salta

E brilha. Se não fosse assim, a curva rara
Do peito não deslumbraria, nem achar
Caminho poderia um sorriso e baixar
Da anca suave ao centro onde o sexo se alteara.

Não fosse assim, seria essa estátua uma mera
Pedra, um desfigurado mármore, e nem já
Resplandecera mais como pele de fera.

Seus limites não transporia desmedida,
Como uma estrela; pois ali ponto não há
Que não te mire. Força é mudares de vida.

[Tradução de Manuel Bandeira]

Shakespeare - Soneto XVIII

Shall i compare thee to a summer's day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all to short a date:
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimmed;
And every fair from fair sometime declines,
By chance or nature's changing course untrimmed.
But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou ow'st;
Nor shall death brag thou wander'st in his shade,
When in eternal lines to time thou grow'st:
So long as men can breathe, or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee.



Comparar-te com um dia de verão?
Tens mais doçura e mais amenidade:
Flores de maio, ao vento rude vão
Como o estio se vai, com brevidade:
O sol às vezes em calor se exalta
Ou tem a essência de ouro sem firmeza
E o que é formoso, à formosura falta,
Por sorte ou por mudar-se a natureza.
Mas teu verão eterno brilha a ver-te
Guardando o belo que em ti permanece.
Nem a morte rirá de ensombrecer-te,
Quando em verso imortal, no tempo cresces.
Enquanto o homem respire, o olhar aqueça,
Viva o meu verso e a vida te ofereça.

[Tradução de Jorge Wanderley]

Anacreonte fr.395

Grisalhas já minhas têmporas,
alva minha cabeça e
a graça da juventude
é ida; velhos os dentes,
e não resta muito tempo
para mim na doce vida.

É por isso que eu lamento,
e amiúde temo o Tártaro,
pois tenebroso é o retiro
do Hades, como é terrível
a descida: é certo, sabe-se
que quem desce não mais sobe.

[Tradução: Marcelo Tápia]

Semônides de Amorgos fr.7

Sem elas desde o início um deus criou
o pensamento. Esta, porca cerdosa,
tudo na casa chafurdando em lama,
o caos mantém, se esbalda em seu chiqueiro.
Fedorenta e com vestes mal lavadas
engorda defecando escarranchada.

Outra o deus fez da raposa matreira,
mulher vê-tudo: nada ruim lhe escapa
nem tampouco o que houver de muito bom.
Das coisas muitas vezes fala mal
e bem: um novo impulso a cada instante.

Outra fez da cadela: má, promíscua,
deseja tudo ouvir, tudo saber,
latindo em toda parte, vagabunda,
enxerida mesmo quando sozinha.
Com ameaça um homem não a acalma
nem se, irritado, os dentes lhe quebrasse
em pedra, nem falando docemente.
Mesmo que entre convivas ela esteja
ainda assim inutilmente grita.

Com terra outra os olímpios modelaram
e, estropiada, aos homens empurraram:
nada sabe de bom, nada de mau;
comer é tão somente o que conhece.
E quando manda o deus frio inverno
tremendo ela se encosta junto ao fogo.

Outra do mar, que pensa duas coisas:
num dia dá risada e se diverte;
se a vir em casa um hóspede a elogia:
"mulher mais desejável do que esta
não há entre os humanos, nem mais bela".
Noutro dia, porém, é insuportável
mirá-la ou chegar perto: ela enlouquece
terrível qual cadela em torno às crias,
amarga a todos e de má vontade,
a mesma para amigos e inimigos.
Intrêmula mantém-se, como o mar,
indiferente, muita vez de nautas
alegria suprema no verão;
outras, qual onda violenta enlouquece.
Por seu ímpeto, muito ela parece
com pélago de face variante.

Outra da cinza e teimosa jumenta,
que com coação, repreensão e custo
a tudo se conforma e faz esforço,
mansa; no meio tempo come, em casa,
dia e noite, come até da panela.
Se for também chegada a sacanagem
aceita com prazer qualquer parceiro.

Outra da marta, lamentável raça,
para quem não existe nada belo,
desejável, charmoso ou adorável.
Lascivo e desregrado tem o leito;
nausearia o homem com quem deita.
Roubando, muito mal faz aos vizinhos,
devora às vezes oferenda intacta.

Outra, a caprichosa potranca fez:
tarefas e fadigas vis recusa.
Na mó não quer tocar, nem agitar
peneira, nem jogar dejetos fora,
nem quer ficar ao forno, evitando
breu; se interessar, faz do macho amigo.
Todos os dias lava o seu cascão
duas, três vezes; anda perfumada,
bem penteada, sempre traz a crina
comprida, com flores bem arrumada.
Essa mulher é um belo espetáculo
aos outros: ao marido é uma desgraça,
se não for mão-de-ferro ou sargentão
que disso bem no fundo tenha orgulho.

Outra da macaca: esse excepcional
maior mal Zeus ao homens enviou.
Horríveis carantonhas: tal mulher
andando na cidade é riso certo.
Curto pescoço, andadura dura,
sem nádegas, só pele. Ah! homem triste
aquele que se abraça a um mal assim.
Jeitos, modos de agir ela conhece
como macaca. O riso não lhe importa.
Bem não faz a ninguém, o que percebe,
e para tal medita todo dia:
como fazer podia um mal maior.

Outra da abelha: sorte do que a toma.
A ela só reproche não se aplica,
por ela a vida desabrocha e cresce.
Amiga, envelhece com o amado
após gerar ilustre descendência.
Distinta dentre todas as mulheres
é, circundada de divina graça.
Não se alegra, sentada entre mulheres
quando fazem fofocas femininas.
Com elas Zeus agraciou os homens,
excelentíssimas e muito sábias.

Por invento de Zeus as outras raças
existem habitando entre os homens.
Pois Zeus criou esse supremo mal,
mulheres. Mesmo que ajudar pareçam
ao seu marido, surge um grande mal.
De bom humor não passa um dia inteiro
aquele que o faz com a mulher.
A Fome não se afastará da casa,
conviva odiosa, deusa desalmada.
Quando o homem pensa estar muito feliz
em casa, por favor divino ou humano,
a Crítica ela encontra e arma batalha.
Quando a mulher está ele não pode
com prazer nenhum hóspede acolher.
Aquela que pensar melhor parece,
tanto mais já se encontra corrompida.
Embasbacado o homem, os vizinhos
divertem-se ao ver quanto se engana.
Se cada um pensar em sua mulher
a elogiará, a do outro criticando:
não percebemos ter a mesma sorte...
Pois Zeus criou esse supremo mal,
e aos pés atou inquebrável grilhão.
Quando Hades àqueles acolheu
que lutavam por causa de mulheres
(...)


[Tradução: Breno Sebastiani. in: Mnemozine vol.2]

quarta-feira, setembro 26, 2007

Hipótese

E se Deus é canhoto
e criou com a mão esquerda?
Isso explica, talvez, as coisas deste mundo.

[Carlos Drummond de Andrade]
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, enfim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.

Fita verde no cabelo

Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam.

Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.

Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia.

Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.

Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo.

Então, ela, mesma, era quem se dizia:

– Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou.

A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.

E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vinha-lhe correndo, em pós.

Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas passa.

Vinha sobejadamente.

Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:

– Quem é?

– Sou eu… – e Fita-Verde descansou a voz. – Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com a fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou.

Vai, a avó, difícil, disse: – Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe.

Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.

A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: – Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.

Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:

– Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!

– É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta… – a avó murmurou.

– Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!

– É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta… – a avó suspirou.

– Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?

– É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha… – a avó ainda gemeu.

Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez. Gritou: – Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!…

Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.

[João Guimarães Rosa]

Osíris

- Ramsés, meu bem, acorde. Acho que tem alguém batendo.

- Como ousa, minha amada, minha irmã, ó lótus da primeira lua da primavera, acordar o filho do Sol? Espero a hora de Osíris.

- Sério, Ramsés. Ouço barulho de gente tentando arrombar a porta da pirâmide.

- Tá bem, tá bem, Nefertiti. Vou ver o que há.

- Tome cuidado, amor. Sofri tanto quando você morreu a primeira vez.
- Deixe comigo. Esses ladrõezinhos de tumbas vão ver uma coisa.

- Escutou?

- Escutei. Pã, pã, pã. Acho que é só um.

- Quem viria roubar, sozinho, a pirâmide de Ramsés?

- Sozinho?

- Sozinho.

- Nefertiti, me diga uma coisa. Como foi que aquele sacerdote de Bubástis disse que meu pai Osíris iria me ressuscitar?

- Tantos séculos, não lembro mais. Lembro que disse uma coisa.
- Que foi?

- Ele viria sozinho.

- Tem certeza?

- A certeza aos vivos pertence. Me parece, de qualquer forma.

- A merda é que eu não consigo me lembrar de nada daquela maldita frase. Mas acho que tinha alguma coisa que ver com o que você está dizendo. Sozinho, você disse?

- Pã, pã, pã, ouviu? Ele está sozinho.

- Pode ser um ladrão.

- E se for Osíris?

[Paulo Leminski]

domingo, setembro 23, 2007

Bendição

Lorsque, par un décret des puissances suprêmes,
Le Poète apparaît en ce monde ennuyé,
Sa mère épouvantée et pleine de blasphèmes
Crispe ses poings vers Dieu, qui la prend en pitié:

— "Ah! que n'ai-je mis bas tout un noeud de vipères,
Plutôt que de nourrir cette dérision!
Maudite soit la nuit aux plaisirs éphémères
Où mon ventre a conçu mon expiation!

Puisque tu m'as choisie entre toutes les femmes
Pour être le dégoût de mon triste mari,
Et que je ne puis pas rejeter dans les flammes,
Comme un billet d'amour, ce monstre rabougri,

Je ferai rejaillir ta haine qui m'accable
Sur l'instrument maudit de tes méchancetés,
Et je tordrai si bien cet arbre misérable,
Qu'il ne pourra pousser ses boutons empestés!»

Elle ravale ainsi l'écume de sa haine,
Et, ne comprenant pas les desseins éternels,
Elle-même prépare au fond de la Géhenne
Les bûchers consacrés aux crimes maternels.

Pourtant, sous la tutelle invisible d'un Ange,
L'Enfant déshérité s'enivre de soleil
Et dans tout ce qu'il boit et dans tout ce qu'il mange
Retrouve l'ambroisie et le nectar vermeil.

II joue avec le vent, cause avec le nuage,
Et s'enivre en chantant du chemin de la croix;
Et l'Esprit qui le suit dans son pèlerinage
Pleure de le voir gai comme un oiseau des bois.

Tous ceux qu'il veut aimer l'observent avec crainte,
Ou bien, s'enhardissant de sa tranquillité,
Cherchent à qui saura lui tirer une plainte,
Et font sur lui l'essai de leur férocité.

Dans le pain et le vin destinés à sa bouche
Ils mêlent de la cendre avec d'impurs crachats;
Avec hypocrisie ils jettent ce qu'il touche,
Et s'accusent d'avoir mis leurs pieds dans ses pas.

Sa femme va criant sur les places publiques:
"Puisqu'il me trouve assez belle pour m'adorer,
Je ferai le métier des idoles antiques,
Et comme elles je veux me faire redorer;

Et je me soûlerai de nard, d'encens, de myrrhe,
De génuflexions, de viandes et de vins,
Pour savoir si je puis dans un coeur qui m'admire
Usurper en riant les hommages divins!

Et, quand je m'ennuierai de ces farces impies,
Je poserai sur lui ma frêle et forte main;
Et mes ongles, pareils aux ongles des harpies,
Sauront jusqu'à son coeur se frayer un chemin.

Comme un tout jeune oiseau qui tremble et qui palpite,
J'arracherai ce coeur tout rouge de son sein,
Et, pour rassasier ma bête favorite
Je le lui jetterai par terre avec dédain!»

Vers le Ciel, où son oeil voit un trône splendide,
Le Poète serein lève ses bras pieux
Et les vastes éclairs de son esprit lucide
Lui dérobent l'aspect des peuples furieux:

— "Soyez béni, mon Dieu, qui donnez la souffrance
Comme un divin remède à nos impuretés
Et comme la meilleure et la plus pure essence
Qui prépare les forts aux saintes voluptés!

Je sais que vous gardez une place au Poète
Dans les rangs bienheureux des saintes Légions,
Et que vous l'invitez à l'éternelle fête
Des Trônes, des Vertus, des Dominations.

Je sais que la douleur est la noblesse unique
Où ne mordront jamais la terre et les enfers,
Et qu'il faut pour tresser ma couronne mystique
Imposer tous les temps et tous les univers.

Mais les bijoux perdus de l'antique Palmyre,
Les métaux inconnus, les perles de la mer,
Par votre main montés, ne pourraient pas suffire
A ce beau diadème éblouissant et clair;

Car il ne sera fait que de pure lumière,
Puisée au foyer saint des rayons primitifs,
Et dont les yeux mortels, dans leur splendeur entière,
Ne sont que des miroirs obscurcis et plaintifs!



Quando, por uma lei das supremas potências,
O Poeta surge aqui neste mundo enfadado,
Sua mãe a verter blasfêmias e insolências,
Crispa as mãos contra Deus, que a contempla apiedado:

-"Ah! tivesse eu gerado um rolo de serpentes,
Em vez de alimentar esta irrisão comigo!
Mal haja a noite em que, nos gozos inconscientes,
Meu ventre concebeu o meu próprio castigo!

"Já que entre todas as mulheres fui eleita
Para ser a abjeção de um desolado esposo,
E não posso queimar, como ao fogo se deita
Um bilhete de amor, este aleijão monstruoso,

"Eu farei recair teu ódio, que me esmaga,
Sobre o instrumento vil do teu rancor cruento,
E tão bem torcerei a árvore má, que a praga
Não lhe permitirá deitar um só rebento!"

Engole a espuma, então, do seu ódio e, atordoada,
Sem poder compreender os desígnios eternos,
Ela mesma prepara a fogueira votada
Aos crimes maternais no fundo dos Infernos.

Sob a guarda, porém, de um Anjo transparente,
Embriaga-se de sol o Filho desherdado,
E em tudo quanto come e quanto bebe sente
um gosto de ambrosia e nectar encarnado.

Fala à nuvem do céu, brinca com a ventania
E faz da Via Sacra um caminho de festa;
E o Espírito que o segue em sua romaria
Chora ao vê-lo feliz como ave da floresta.

Os que ele quer amar olham-no com receio,
Ou confiando demais na sua amenidade,
Empenham-se em tirar-lhe um queixume do seio,
E experimentam nele a sua atrocidade.

Hipócritas, no vinho e no pão que o alimentam
Eles misturam cinza a impuras cusparadas;
Rejeitam tudo o que ele toca, e se lamentam
Por ter sujado os pés seguindo-lhe as pegadas.

Sua mulher percorre as ruas exclamando:
- "Se ele acha que sou bela e quer idolatrar-me,
Eu serei como os velhos ídolos, e quando
Me aprouver saberei fazê-lo redoirar-me;

"E eu me embebedarei de mirra, incenso e nardo,
E de genuflexões e viandas e licores,
Para ver se no seu coração ainda guardo
O poder de usurpar os divinos louvores!"

"E,quando eu me fartar dessas impias orgias,
Sobre ele pousarei mão forte e delgada;
E as minhas unhas, como as unhas das harpias,
Hão de saber rasgar no seu peito uma entrada.

"Como ave nova que estremece e que palpita,
Arrancar-lhe-ei do seio o coração aceso,
E, dando-o de comer à fera favorita,
Hei de lançá-lo ao chão com todo o meu desprezo!"

Para o Céu, em que avista um trono refulgente,
O Poeta ergue, sereno, as suas mãos piedosas,
E os imensos clarões de sua alma de vidente
Ofuscam-lhe a visão das multidões furiosas:

- "Bendito vós, meu Deus, que dais o sofrimento
Como um filtro divino às nossas imundícias,
E também o melhor e mais puro alimento
Que aos fortes predispõe para as santas delícias!

"Eu sei que reservais um lugar para o Poeta
Nas bem-aventuradas filas das Legiões,
E sempre o convidais para a festa secreta
Dos Tronos, das Virtudes, das Dominações.

"Eu sei também que a dor é a nobreza suprema
Sempre vedada à terra e aos infernos adversos,
E que para tecer meu místico diadema
Fôra mister impor os tempos e universos

"Mas as jóias fatais da secular Palmira,
Inéditos metais, ou pérolas do oceano,
Encastoados por vós, nem isso conseguira
Compor esse diadema ardente e soberano;

"Porque ele só da luz mais pura será feito,
Vinda do santo lar dos raios primitivos,
De que os olhos mortais, no seu fulgor perfeito,
Não são mais do que espelhos tristes, negativos!"

[Tradução: Guilherme de Almeida]

sábado, setembro 22, 2007

Consolo na praia

Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

[Carlos Drummond de Andrade]

quarta-feira, setembro 19, 2007

Gonçalves Dias

Olhos verdes

Eles verdes são,
E têm por usança
Na cor esperança
E nas obras não


São uns olhos verdes, verdes,
Uns olhos de verde-mar,
Quando o tempo vai bonança;
Uns olhos cor de esperança,
Uns olhos por que morri;
Que ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Como duas esmeraldas,
Iguais na forma e na cor,
Têm luz mais branda e mais forte,
Diz uma – vida, outra – morte;
Uma – loucura, outra – amor.
Mas ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

São verdes da cor do prado,
Exprimem qualquer paixão,
Tão facilmente se inflamam,
Tão meigamente derramam
Fogo e luz do coração;
Mas ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

São uns olhos verdes, verdes,
Que podem também brilhar;
Não são de um verde embaçado,
Mas verdes da cor do prado,
Mas verdes da cor do mar.
Mas ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Como se lê num espelho,
Pude ler nos olhos seus!
Os olhos mostram a alma,
Que as ondas postas em calma,
Também refletem os céus;
Mas ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Dizei vós, ó meus amigos,
Se vos perguntam por mi,
Que eu vivo só da lembrança
De uns olhos cor de esperança,
De uns olhos verdes que vi!
Que ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Dizei vós: Triste do bardo!
Deixou-se de amor finar!
Viu uns olhos verdes, verdes,
Uns olhos da cor do mar:

Eram verdes sem esp’rança,
Davam amor sem amar!
Dizei-o vós, meus amigos,
Que ai de mi!
Não pertenço mais à vida
Depois que os vi!

terça-feira, setembro 18, 2007

Safo, fr. 31 - Outra tradução

Ditosa que ao teu lado só por ti suspiro!
Quem goza o prazer de te escutar,
quem vê, às vezes, teu doce sorriso.
Nem os deuses felizes o podem igualar.

Sinto um fogo sutil correr de veia em veia
por minha carne, ó suave bem querida,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.

Uma nuvem confusa me enevoa o olhar.
Não ouço mais. Eu caio num langor supremo;
E pálida e perdida e febril e sem ar,
um frêmito me abala... eu quase morro... eu tremo.

Tradução: Décio Pignatari


Tradução de Jaa Torrano.

Safo - fr.55 LP

Quando morreres, hás-de jazer sem que haja no futuro
Memória de ti nem saudade. É que não tiveste parte
Nas rosas de Piéria. Invisível, andarás a esvoaçar
No Hades, entre os mortos impotentes.

Tradução: Maria Helena da Rocha Pereira.

domingo, setembro 16, 2007

Falso diálogo entre Pessoa e Caeiro

[Pessoa]- a chuva me deixa triste...
[Caeiro] - a mim me deixa molhado.

(José Paulo Paes)

O Guardador de rebanhos

X

"Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?"

"Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti, o que te diz?"

"Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram."

"Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
e a mentira está em ti."

Fradique Mendes

A Carlos Baudelaire
(Autor das Flores do Mal)


Ó Carlos Baudelaire! ó poeta impassível!
Fino lábio a sorrir, sob um estranho olhar!
Tua boca descreve o criminoso, o horrível,
Enquanto a tua voz parece só cantar...

Indiferente, vais como a desdém pisando
Um chão de vício e horror,com passo virginal
Na tua mão gantée,trazes,como brincando,
Um sinistro bouquet, a negra flor do mal!

O tétrico - o que faz tremer dentro do peito
O coração dos mais -, poeta, é para ti
Só pretexto talvez dalgum feliz conceito,
Um verso original, uma rima que ri.

Dante do Boulevard,cantas o desespero,
ao som duma ária vã, como um fútil rondó...
Pintor, deixa-nos ver a alma escura de Nero,
Com o negligé e a cor do Boucheau ou Watteau...

Essa fronte de neve, esse crânio de gelo,
Se os estalasse alguém veria, creio eu,
Surgir estranho ser, Byron, Polichinelo,
Confundidos num só, co'a face d'Asmodeu!
É o mal com consciência, e tanta, e tão terrível,
Que cai na afectação, nas frases recocó ...
E esse olhar fixo e estranho e essa fronte impassível:
D’um frio mortal, pior que pranto e dó ...

Sim, descer onde tu desces – na Primavera
Ver só o insecto vil, que rói a bela flor -
(Em despeito do estilo e da rima severa)
Não se faz sem sofrer ... tu conheces a dor!

Tu sabes o que é dor, ó sereno estilista!
Sob o fraque do dandy há em ti, bem o vês,
Um poeta, um leão, um demónio, que o artista
Pode a custo conter, domar, calcar aos pés!
És o símbolo, tu, dum século fantasma,
Tão sábio que é ateu, e já não quer chorar ...
Que tem cãs sem ser velho, e que de nada pasma
Olhando o mundo à luz do gás do Boulevard ...

Somos todos assim - um triste olhar que chora
E encobre, chocarreira, a luneta do tom ...
Um esqueleto frio e horrível – mas por fora
Irréprochablement vestido à Benoiton!...


Paris: dia do enterro de Baudelaire: 7 de Setembro de 1867
[Antero de Quental]
Coroai-me de rosas,
Coroai-me, em verdade,
De rosas -
Rosas que se apagam,
Em fronte a apagar-se
Tão cedo!
Coroai-me de rosas
e de folhas breves.
E basta.

(Ricardo Reis)

Uma carniça - Baudelaire

Rappelez-vous l'objet que nous vîmes, mon âme,
Ce beau matin d'été si doux:
Au détour d'un sentier une charogne infâme
Sur un lit semé de cailloux,

Les jambes en l'air comme une femme lubrique,
Brûlante et suant les poisons,
Ouvrait d'une façon monchalante et cynique
Son ventre plein de exhalaisons.

Le soleil rayonnait sur cette pourriture
Comme afin de la cuire à point,
Et de rendre au centuple à la grande Nature
Tout ce qu'ensemble elle avait joint.

Et le ciel regardait la carcasse superbe
Comme une fleur s'épanouir;
La puanteur était si forte que sur l'herbe
Vous crûtes vous évanouir.

Les mouches bordonnaient sur ce ventre putride,
D'où sortaient de noirs bataillons,
De larves qui coulaient comme um épais liquide,
Le long de ces vivants haillons.

Tout cela descendait, montait comme une vague,
Ou s'élançait et pétillant;
On eût dit que le corps, enflé d'un souffle vague,
Vivait en se multipliant.

Et ce monde rendait une étrange musique
Comme l'eau courante et le vent,
Ou le grain qu'un vanneur d'un mouvement rhytmique
Agite et tourne dans son van.

Les formes s'effaçaient et n'étaient plus qu'un rêve,
Une êbauche lente à venir,
Sur la toile oubliée, et que l'artiste achève
Seulement par le souvenir.

Derríere les rochers une chienne inquiète
Nous regardait d'un oeil fâché,
Épiant le moment de reprendre au squellete
Le morceau qu'elle avait lâché.

-Et pourtant vous seres semblale à cette ordure,
A cette horrible infection,
Étoile de meus yeux, soleil de ma nature,
Vous, mon ange et ma passion!

Oui! telle vous serez, ô la reine des grâces,
Après les derniers sacrements,
Quand vous ires sous l'herbe et les floraisons grasses
Moisir parmi des ossements.

Allors, ô ma beauté! dites à la vermine
Qui vous mangera de basers,
Que j'ai gardé la forme et l'essence divine
De mes amours décomposés!


Recorda o objeto vil que vimos, numa quieta,
Linda manhã de doce estio:
Na curva de um caminho uma carniça abjeta
Sobre um leito pedrento e frio,

As pernas para o ar, como uma mulher lasciva,
Entre letais transpirações,
Abria de maneira lânguida e ostensiva
Seu ventre a estuar de exalações.

Reverberava o sol sobre aquela torpeza,
Para cozê-la a ponto, e para,
Centuplicado, devolver à Natureza
Tudo quanto ali ela juntara.

E o céu olhava do alto a soberba carcassa
Como uma flor a se oferecer;
Tão forte era o fedor que sobre a relva crassa
Pensaste até desfalecer.

Zumbiam moscas sobre esse pútrido ventre,
De onde em bandos negros e esquivos
Larvas se escoavam como um grosso líquido entre
Esses trapos de carne, vivos.

Isso tudo ia e vinha,como uma vaga,
Ou se espalhava a borbulhar;
Dir-se-ia que esse corpo, a uma bafagem vaga,
Vivia a se multiplicar.

E esse mundo fazia a música exquisita
Do vento, ou então da água-corrente,
Ou do grão que, mexendo, o joeirador agita
Na joeira, cadenciadamente.

As formas eram já mera ilusão da vista,
Um debuxo que custa a vir,
Sobre a tela esquecida, e que mais tarde o artista
Só de cór consegue concluir.

Entre as rochas,inquieta, uma pobre cadela
Fixava em nós o olhar zangado,
À espera de poder ir retomar àquela
Carcassa pobre o seu bocado.

- E no entanto, hás de ser igual a esse monturo,
Igual a esse infeccioso horror,
Astro do meu olhar, sol do meu ser obscuro,
Tu, meu anjo, tu, meu amor!

Sim!tal serás um dia, ó tu, toda graciosa,
Quando, ungida e sacramentada,
Tu fores sob a relva e a floração viçosa
Mofar junto a qualquer ossada.

Dize então, ó beleza! aos vermes roedores
Que de beijos te comerão,
Que eu guardo a forma e a essência ideal dos meus amores
Em plena decomposição!

(Tradução: Guilherme de Almeida)

sábado, setembro 15, 2007

Simônides de Céos

Dos que, por fim, tombaram nas Termópilas,
Bela foi a morte e cintilante a cavalgada.
Do pó destes varões o altar nasceu.
Em vez do pranto, o seu emblema foi a guerra.
Com sangue a glória se escreveu, com lágrima.
Não vão gastá-la os tempos, nem bolores.
Esta sepultura gloriosa guarda
A fama helena em toda terra, tal
Como Leônidas de Esparta a mereceu:
Qual signo de ingente valentia,
E de um destino bravo, imperecível.

(Diehl 5)

Tradução: Antônio Medina Rodrigues.

Horácio I, 3

Sic te diua potens Cypri,
sic fratres Helenae, lucida sidera,
uentorumque regat pater
obstrictis aliis praeter Iapyga,
nauis, quae tibi creditum
debes Vergilium; finibus Atticis
reddas incolumem precor
et serues animae dimidium meae.
Illi robur et aes triplex
circa pectus erat, qui fragilem truci
commisit pelago ratem
primus, nec timuit praecipitem Africum
decertantem Aquilonibus
nec tristis Hyadas nec rabiem Noti,
quo non arbiter Hadriae
maior, tollere seu ponere uolt freta.
Quem mortis timuit gradum
qui siccis oculis monstra natantia,
qui uidit mare turbidum et
infamis scopulos Acroceraunia?
Nequicquam deus abscidit
prudens Oceano dissociabili
terras, si tamen impiae
non tangenda rates transiliunt uada.
Audax omnia perpeti
gens humana ruit per uetitum nefas;
audax Iapeti genus
ignem fraude mala gentibus intulit;
post ignem aetheria domo
subductum macies et noua febrium
terris incubuit cohors
semotique prius tarda necessitas
leti corripuit gradum.
Expertus uacuum Daedalus aera
pennis non homini datis;
perrupit Acheronta Herculeus labor.
Nil mortalibus ardui est;
caelum ipsum petimus stultitia neque
per nostrum patimur scelus
iracunda Iouem ponere fulmina.


Assim a deusa poderosa em Chipre,
Assim os irmãos de Helena, brilhantes
Astros, e o rei dos ventos, só com jápis,
Prendendo os mais, te reja,

Ó nau, que és de Vergílio devedora,
Que a ti se confiou, rogo-te, o ponhas
Salvo nas terras áticas e guardes
Metade de minha alma.

Enzinho e tresdobrado bronze havia
Em torno ao peito, quem ao pego iroso
O baixel frágil cometeu primeiro;
Nem já temeu o ábrego.

Com os aquilões brigando impetuoso,
Híadas tristes, nem de Noto a raiva;
Que é de Adria o mor senhor, ou erguer queira,
Ou amainar as ondas.

Que gênero temeu de morte aquele,
Que a olhos secos viu nadantes monstros,
Que viu túrgido mar, e Acroceraunos
Infamados cachopos?

Em vão, próvido Deus com o oceano
As terras retalhou insociáveis,
Se contudo os baixéis ímpios trespassam
Os não tocandos mares.

Audaz a sofrer tudo, a gente humana
Por defesas maldades se despenha;
Audaz a prole de Jápeto às gentes
Com fraude iníqua o fogo

Trouxe: depois que o fogo à casa etérea
Se furtou, a magreza e nova tropa
De febre sobreveio à terra e o fado
Vagaroso da morte,

Dantes remota, apressurou o passo
Tentou com penas ao mortal não dadas,
Dédalo o ar vazio: o Aqueronte
Rompeu trabalho hercúleo.

Nada aos mortais é árduo: cometemos
Loucos o mesmo céu; e não deixamos
Com os nossos crimes, que deponha Jove
Os iracundos raios.

(Tradução: Elpino Duriense)

Calino e Tirteu

Calino

Até que ponto, inertes, folgareis?
Vergonha não vos dá dos que na luta
A pátria amparam, ou quereis, talvez
A paz, quando os demais no ardor se ralam?
Mesmo a morrer, a lança arremessai,
Também na morte é que se ganha a glória,
E salva é a esposa, o filho, e seus pais.
Ah, perecer, por eles, é vitória!
Então firmai a lança, e ao peito vosso
O escudo firme armai contra o rival!
Fugir, choramingar, que ninguém possa,
Ou mesmo crer-se ileso e imortal,
Ou sob a cama fique em medo ou possa
Os pares esquecer na hora fatal.
Do ser que é macho sobe sempre a fama,
O herói é o galardão do chão natal,
Diz não ao resto, quando a pátria o chama.


Tirteu


Belo é tombar em sangue um bravo herói
Que lute pela pátria lá na frente!
Em mendicância andar? Nada há pior
Que um homem se arrastar como indigente,
Ao léu seu pai e a mãe jogada às ruas,
Filhos e esposa a receber desdéns,
De todos a quem peçam de mãos nuas.
Ofende o peito, enluta a raça quem
Suporta o riso alheio e escarninho.
Se mal andamos nós sem um vintém,
E sem que um sonho bom nos encaminhe,
Morramos pela pátria, nosso bem,
Que é vil à vida assim ter um carinho.

(Traduções: Antônio Medina Rodrigues)

sexta-feira, setembro 14, 2007

Alceu 346 LP

Fúria destes ventos me entorpece:
Ou se engalfinham ondas pela proa,
Ou pelo lado a onda me aborrece,
Em negra embarcação vamos a toa,
E na tormenta o ardor então falece.
Já encobre o mastro agora um aguaceiro,
E a vela vai dançando pelo vento,
Esfarrapada, à força do salseiro,
E agora(é o fim!)cedeu o amarramento.

Tradução: Antônio Medina Rodrigues.

quarta-feira, setembro 12, 2007

A uma passante - Baudelaire

La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,
Une femme passa, d’une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l’ourlet ;

Agile et noble, avec sa jambe de statue.
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l’ouragan,
La douleur qui fascine et le plaisir qui tue.

Un éclair...puis la nuit! – Fugitive beauté
Dont le regard m’a fait soudainement rena�tre,
Ne te verrai-je plus que dans l’eternité?

Ailleurs, bien loin d’ici! trop tard! jamais peut-être!
Car j’ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
O toi que j’eusse aimée, ô toi qui le savais!


A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;

Perna de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu de seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho...e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!

(Tradução: Guilherme de Almeida)

Vida dos filósofos - Heráclito

Diógenes Laércio IX, I [DK 22,1]

Heráclito, filho de Blosón (ou, conforme dizem alguns, Herakon) de Éfeso. Este homem floresceu por ocasião da sexagésima nona olimpíada. Ele era extraordinarimente arrogante e desdenhoso, como de fato se depreende claramente de seu livro, onde ele afirma "Muita erudição não confere bom senso - de outra forma, o teria conferido a Hesíodo e Pitágoras, bem como a Xenófanes e Hecateu". (...) Por fim, tornou-se um misantropo, abandonando a cidade para viver nas montanhas, onde alimentava-se de plantas e ervas. Porém, em conta disso, contraiu hidropisia e regressou à cidade. Perguntou aos médidos, à maneira de um enigma, se conseguiriam transformar uma copiosa tempestade em seca. Como estes não o compreendessem, enterrou-se em um estábulo, na esperança que a hidropisia fosse evaporada pelo calor do estrume. Porém mesmo assim não logrou êxito, e morreu aos sessenta anos.

Comentários:
A informação de que Heráclito viveu seu apogeu aos quarenta anos, à época da sexuagésima nona olimpíada, foi, sem sombra de dúvidas, extraída do historiógrafo Apolodoro: A meia-idade de Heráclito é situada aproximadamente quarenta anos após Anaxímenes ter alcançado o seu apogeu e a partida de Xenófanes de Cólofon. (Confome afirma Sócion [Diog. L. IX, 5, DK22 AI) algumas pessoas diziam que Heráclito ouviu os ensinamentos de Xenófanes. Supor que havia alguma influência provavelmente seria o bastante, mas o tom crítico do fr.40, citado acima, não sugere uma relação formal entre mestre e discípulo). Não há motivo para suspeitar da datação de Apolodoro, visto que Heráclito mencionou Pitágoras e Hecateu assim como Xenófanes, e foi, talvez, aludido indiretamente por Parmênides. Tentativas de situar a atividade filosófica de Heráclito posteriormente à datação de Apolodoro foram sabiamente propostas após 478 A.C ( e ainda, mais improvável, em consequência de Parmênides) contudo, não tiveram aceitação e sustentam-se em hipóteses implausíveis, tais quais que a ausência de um governo autonômo (Sugerida pela afirmação do fr.121, de que os efésios exilaram Hermodoro, amigo de Heráclito) seria possível em éfeso antes de sua liberação pela Pérsia, em 478. Heráclito pode ter vivido mais do que os sessenta anos de Apolodoro (na mesma idade em que também teriam morrido Anaxímenes e Empédocles, conforme afirma Aristóteles); Todavia, nós podemos provisoriamente aceitar que ele estava em sua meia-idade no fim do sexto século e que sua grande atividade filosófica encerrou-se por volta de 480.

O resto do fr.40 é citado como exemplo do tipo de ficção biográfica que proliferou-se em volta do nome de Heráclito. Diógenes também nos conta que Heráclito recusou-se a criar leis para os Efésios, preferindo brincar com crianças no templo de Àrtemis. Grande parte destas histórias são baseadas em ditos notórios de Heráclito; muitas tencionavam ridicularizá-lo e foram criados com propósitos mal-intencionados por helênicos ofendidos por seu tom superior. Por exemplo, sua misantropia deduz-se por suas críticas à maioria dos homens , o vegetarianismo por menção à uma contaminação do sangue, e a hidropisia por sua asserção "É a morte para as almas tornar-se água". Ele era conhecido por propor enigmas obscuros, o que teria lhe custado a vida: Os médicos, a quem ele aparentemente critica no fragmento 58, nada fazem para salvá-lo; É dito que enterrou-se no estrume porque dissera no fr.96 que "os cadáveres são mais desprezíveis que estrume". "Ser exalado" refere-se a sua teoria das exalações do mar. Os únicos detalhes a respeito da vida de Heráclito que podem seguramente ser aceitos como verdadeiros são de que ele passou-a em Éfeso, que veio de uma antiga família aristocrática, e que estava em maus termos com seus conterrâneos.

As litanias de Satã - Baudelaire

O toi, le plus savant et le plus beau des Anges,
Dieu trahi par le sort et privé de louanges,

O Satan prends pitié de ma longue misère!

Ó Prince e l'exil, à qui l'0n o fait tort,
Et qui, vaincu, toujouurs te redresses plus fort,

O Satan prends pitié de ma longue misère!

Toi, qui sais tout, grand roi des choses souterranies,
Guérisseur familier des angoises humaines,

O Satan prends pitié de ma longue misère!

Toi qui, même aux léprex, aux paria maudits,
Enseignes par l'amour le goût du Paradis,

O Satan prends pitié de ma longue misère!

O toi, qui de la mort, ta vieille et fort amant,
Engendras l'Espérance - une folle charmante!

O Satan prends pitié de ma longue misère!

Toi, qui fais au proscrit ce regard calme et haut
Qui damne tout un peuple autour d'un échafaud,

O Satan prends pitié de ma longue misère!

Toi, qui sais en quel coin des terres envieuses
Le Dieu jaloux cacha les pierres précieuses,

O Satan prends pitié de ma longue misère!

Toi dont l'ceil clair connaît les profonds arsenaux
Où dort enseveli le peuple des métaux,

O Satan prends pitié de ma longue misère!

Toi dont la large main cache les précipices
Au sonambule errant au bord des édifices,

O satan prends pitié de ma longue misère!

Toi qui, magiquemente, assouplis les vieux os
De l'ivrogne attardé foulé par les chevaux,

O Satan prends pitié de ma longue misère!

Toi qui, pour consoler l' homme frêle qui soufre,
Nous appris à mêler le salpêtre et le soufre,

O Satan prends pitié de ma longue misère!

Toi qui poses ta marque, ô complice subtil,
sur le front du Crésus impitoyable et vil,

O Satan prends pitié de ma longue misère!

Toi qui mets dans les yeux et dans le coeur des filles
Le cult de la plaie et l'amour des guenilles,

O Satan prends pitié de ma longue misère!

Bâton des exilés, lampe des inventeurs,
Confesseur des pendus et des conspirateurs,

O Satan prends pitié de ma longue misère!

Père adoptif de ceux qu'en sa noire colère
Du paradis terrestre a chassés Dieu le Père,


O Satan prends pitié de ma longue misère!

PRIÈRE

Glorie et louange à toi, Satan, dans les hauters
Du Ciel, où tu régnas, et dans les profounders
de l'Enfer, où, vaincu, tu rêves en silence!
Fais que mon âme, um jour, sous l'arbre de Science,
Près de toi se repose, à l'heure où sur ton front,
Comme un temple nouveau ses rameaux s'epandront!


Ó tu, o Anjo mais belo e também o mais culto,
Deus que a sorte traiu e privou do seu culto,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Ó Príncipe do exílio a quem alguém fez mal,
E que, vencido, sempre te ergues mais brutal

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que vês tudo, ó rei das coisas subterrâneas,
Charlatão familiar das humanas insânias

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu, que mesmo ao leproso, ao pária infame, ao réu,
Ensinas pelo amor as delícias do Céu,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu, que da morte, tua velha e forte amante,
Engendraste a Esperança, - A louca fascinante!

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu, que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar,
Que faz ao pé da forca o povo desvairar,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que sabes onde é que em terras invejosas
o Deus ciumento esconde as pedras preciosas,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu cujo claro olhar conhece os arsenais
Onde dorme sepulto o povo dos metais,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu cuja larga mão oculta os precipícios
Ao sonâmbulo a errar na orla dos edifícios,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que, magicamente, abrandas como mel
Os velhos ossos do ébrio moído num tropel,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu, que ao homem que é fraco e sofre deste o alvitre
De poder misturar ao enxofre o salitre,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu, que pões tua marca, ó cúmplice sutil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu, que abrindo a alma e o olhar das raparigas, a ambos
Dás o culto da chaga e o amor pelos molambos,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Do exilado bordão, lanterna do inventor,
Confessor do enforcado e do conspirador,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Pai adotivo que és dos que, furioso, o Mestre,
o Deus Padre, expulsou do paraíso terrestre,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

ORAÇÃO

Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
Do Céu, em que reinaste, e nas escuridões
do Inferno, em que, vencido, sonhas com prudência!
Deixa que eu, junto a ti, sob a Árvore da Ciência,
Repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de ver
Seus ramos como um templo novo a se estender!

Tradução: Guilherme de Almeida.