quinta-feira, janeiro 31, 2008

Ilíada II. 484-494 - Segunda invocação às Musas

Ó musas, me dizei, moradoras do Olimpo,
divinas, todo-presentes, todo-sapientes
(nós, nada mais sabendo, só a fama ouvimos)
quais eram, hegemônicos, guiando os Danâos,
os príncipes e os chefes.
O total de nomes
da multidão, nem tendo dez bocas, dez línguas,
voz inquebrável, peito brônzeo, eu saberia
dizer, se as Musas, filhas de Zeus porta-escudo,
olímpicas, não derem à memória ajuda,
renomeando-me os nomes. Só direi o número
das naves e os navarcas que assediaram Tróia.

Tradução: Haroldo de Campos
Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.

Hoje, Neera, não nos escondamos,
Nada nos falta, porque nada somos.
Não esperamos nada
E temos frio ao sol.

Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece.

Ricardo Reis

quarta-feira, janeiro 30, 2008

Odisséia, XI,470-491: O discurso de Aquiles

Reconheceu-me a alma logo de Aquiles, de pés muito rápidos,
e, com sentidos queixumes,me diz as palavras aladas:
"Filho de Laertes, de origem divina, Odisseu engenhoso,
que nova empresa, infeliz, mais ousada que as outras concebes?
Como até o Hades ousaste baixar, onde os mortos se encontram,
de consciências privados, quais vão simulacros dos homens?"
Isso me disse; em resposta, lhe torno as seguintes palavras:
"Ó nobre filho do Eácida, Aquiles, primeiro entre os Dânaos!
Vim por me ser necessário pedir um conselho a Tirésias
sobre a maneira de em Ítaca alpestre chegar de tornada.
Ainda ao país dos Aqueus não fui ter, nem à pátria querida;
sim, continuo a vagar e sofrer. Mas ninguém, nobre Aquiles,
é tão feliz como tu, no passado e nos tempos vindouros.
Enquanto vivo, os Argivos te honrávamos, qual se um deus fosses;
ora que te achas no meio dos mortos, sobre eles exerces
mando inconteste; Não podes queixar-te da Morte, ó Pelida!"
Isso lhe disse; ele, logo, me volve as seguintes palavras:
"Ora não me venhas, solerte Odisseu, consolar-me da morte,
pois preferira viver empregado em trabalhos do campo
sob um senhor sem recursos, ou mesmo de parcos haveres,
a dominar deste modo nos mortos aqui consumidos."

[Tradução: Carlos Alberto Nunes]

sábado, janeiro 26, 2008

Ilíada I.348-430 - Aquiles e Tétis

Aquiles põe-se à parte, afasta-se chorando,
sentado junto ao mar salino-cinza, e olhava
ao longe as águas cor de vinho. Então à mãe
implora muitas vezes: "Mãe, que me dotaste
de uma vida tão curta, não devia o Olimpo
cumular-me de honras? Zeus, que no alto soa,
não me deu nem migalha. E o Atreide, o poderoso,
por cima ainda me ofende: priva-me do prêmio
e goza do que é meu". Falou, chorando. E a mãe
augusta o ouviu, sentada junto ao velho pai,
no fundo do oceano. Então surgiu do mar
salino-cinza a deusa - uma bruma - e afagava
o filho em prantos. Disse: "Por que choras, qual
a dor que à mente fere e te magoa? Conta,
nada me escondas, filho. Quero partilhá-la".
Então, ferido fundo, Aquiles, pés-velozes,
respondeu: "Sabes tudo, é repetir contar-te
o que passou. Marchamos contra Tebas, santa
cidade do Eecião. De tudo a despojamos,
e os filhos dos Aqueus repartiram-lhe os bens;
ao Atreide tocou Criseida, belo rosto.
Sacerdote de Apolo, deus flechicerteiro,
veio Crises às naus dos Aqueus de couraça
brônzea. Trazia dons riquíssimos, visando
a libertar a filha. O cetro de ouro e os nastros
do deus flechicerteiro à mão. E suplicava
a todos os Aqueus e a ambos os Atreides,
comandantes. Clamaram os Aqueus uni-
concordes: "Que se atenda o sacerdote e as galas
do resgate se aceitem." Não no coração
tem no entanto Agamêmnon. Com palavras duras
refuga o velho. Este volta atrás, colérico.
Apolo, que o queria, ouviu-lhe os rogos. Logo,
contra os Aqueus dispara um flechaço funesto.
E um por sobre o outro eles caíam: setas
do deus, por toda parte, dizimando tropas.
Aúgure sabedor das coisas nos resolve
o oráculo do deus. Falei antes de todos:
"Urge aplacar o Arqueiro". Fúria escura turva
o Atreide. Fez-me então ameaça que ora cumpre.
A Crises os Aqueus de olhos vivazes com
nau veloz devolveram Criseida; e ao deus, dons
tributaram. Agora à minha tenda arautos
vêm-me tomar Briseida, prêmio que os Aqueus
me deram; Tu, se o podes, socorre teu filho.
Sobe ao Olimpo. Roga a Zeus. Se em algo algum
dia a Zeus, por acaso, o coração tocaste
com palavras e obras - pois te ouvi freqüentes
vezes dizer, no paço de meu pai, que a sós,
sozinha, ao nuvem-turvo soturno Croníade
poupaste a afronta, quando outros imortais
-Hera, Apolo, Posêidon - com grilhões quiseram
aprisioná-lo; vieste então, deusa, e o livraste
e ao Olimpo chamaste o de Cem-mãos, aquele
que é Briareu para os deuses, para os mais, Egêone,
mais forte do que o pai, Egeu, e que sentou-se,
exultando de glória, ao lado do Croníade;
sentiram medo os Venturosos, desistiram
dos grilhões. Vai. Recorda-lhe isso. Os joelhos
lhe abraça. Vê se o moves em favor de Tróia,
aos Aqueus impelindo para o mar e as popas,
e assim, arruinados, que a seu rei festejem
e Agamêmnon, Atreide, amplo-reinante, entenda
seu desvio: não honrou o melhor dos Aqueus".
Tétis, desfeita em lágrimas, lhe respondeu:
"Ai de mim!Te criei nutrido de infortúnio:
Sem lágrimas, sem dor, assim eu te quisera
sentado junto às naves, pois te espreita a Moira,
tens vida breve. Agora ao breve o desditoso
se ajunta. Nestes paços te gerei com má
sorte. Para falar em teu favor a Zeus,
amador de relâmpagos,ao níveo Olimpo
eu mesma subirei. Talvez me ouça. E tu,
sentado junto às naus, mantém contra os Aqueus
a ira e te abstém da guerra; Zeus partiu
com sua corte para a festa dos Etíopes
que vivem no Oceano. Volta em doze dias.
É então que por ti, pisando o assoalho brônzeo
de seu palácio, irei, abraçada a seus joelhos,
suplicar, convencê-lo". Assim falou e Aqules
só, coração colérico, sofria pela
moça - fina cintura - que lhe arrebataram
a contragosto.

Tradução: Haroldo de Campos

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Od. VIII- Os Amores de Afrodite e Ares

Demódoco depois dedilha e canta
como furtiva a coroada Vênus
uniu-se a Marte, que o Vulcânio toro
maculou com mil dons peitando a esposa.
Pelo Sol advertido, o grão ferreiro
parte, vingança a meditar profundo;
no cepo encava a incude, laços forja
que desdar-se não podem nem romper-se.
Mal os conclui, à câmara caminha
do seu leito amoroso; uns aos pés liga,
outros ao sobrecéu, com tanta insídia,
que de aranha sutil quais teias eram,
mas a qualquer celícola invísiveis.
Armada a fraude, simulou viagem
de Lemos à caríssima cidade.
Marte, cujos frisões têm freios de ouro,
não obcecado, o fabro viu partindo;
veio-lhe presto à casa, cobiçoso
de gozar Vênus bela: esta pousava
de visitar o genitor Satúrnio;
pega-lhe o amante na mimosa destra:
"Vazia a cama está; Vulcano é fora,
aos Síntios foi-se de linguagem bronca".
Ei-los ao leito jubilando ascendem,
e nas malhas do artista se emaranham;
nem desatar-se nem mover-se podem,
sem ter efúgio algum. Torna Vulcano,
antes que a Lemos chegue; o Sol o avisa.
Ao seu pórtico pára angustiado,
urro esforça raivoso, que no Olimpo
retumba horrendo: "Ó Padre, ó vós deidades,
vinde rir e indignar-vos desta infâmia.
Por coxo a Dial Vênus me desonra,
amando ao sevo Marte, que é perfeito:
Se esta lesão me afeia, é toda a culpa
de meus pais, que gerar-me não deviam.
Vede-os,oh!,triste aspecto, como dormem
em meu leito enleados; mas duvido
que em seu ardor jazer assim desejem.
Meu laço os reterá, té que haja o dote
e os dons feitos ao pai, que deu-me a filha
de formosura exemplo e de inconstância".
No éreo paço Vulcânio já Netuno,
mas o frecheiro Febo e o deus do ganho,
as deusas de pudor não comparecem;
Do pórtico os demais, às gargalhadas,
o dolo observam do prudente mestre,
olham-se e clamam: "Da virtude o vício,
do ínfero o lesto e forte é suplantado;
o manco ao mais veloz prendeu com arte,
pague o adúltero a multa". Apolo ao núncio
de bens dador voltou-se: "Quererias,
filho de Jove, assim dormir nos braços
da áurea Ciprina?" Respondeu Mercúrio:
"Oxalá, Febo Apolo, ao pé de Vênus
vós me vísseis dormir, e às próprias deusas,
no tresdobro dos fios envolvido".
Renovou-se a risada; mas Netuno
sério ao mestre pediu que solte a Marte:
"Solta-o; prometo que a teu grado e à risca
hajas a multa aos imortais devida".
"Rei, contesta o aleijado, não mo ordenes;
A caução para o fraco é fraca sempre:
como te obrigaria, se ele escapo
se recusasse?" Então Netuno: "Marte
se renuir, pagar-te-ei, Vulcano".
Rende-se o ínclito coxo: "Não me é dado
negar-to". E os laços desliou de um toque.
Os réus fugiram: para a Trácia, Marte;
para Pafos, Ciprina, a mãe dos risos,
que ali tem bosque e recendentes aras.
Banhada e em óleo divinal ungida,
as graças do mais fino a paramentam.


[Tradução de Odorico Mendes]

terça-feira, janeiro 22, 2008

Poema em linha reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Lisbon Revisited

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafisica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) ­
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul ­ o mesmo da minha infância ­,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo ...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

(1923)
Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.

Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
sábios incautos,
Não a viver,

Mas decorrê-la,
Tranqüilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza...

À beira-rio,
À beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.

O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.

Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.

Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.

Girassóis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranqüilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.

Ricardo Reis

Alberto Caeiro - XXX

Se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem, tenho-o.
Sou místico, mas só com o corpo.
A minha alma é simples e não pensa.

O meu misticismo é não querer saber.
É viver e não pensar nisso.

Não sei o que é a Natureza: canto-a.
Vivo no cimo dum outeiro
Numa casa caiada e sozinha,
E essa é a minha definição.

Alberto Caeiro - XII

Os pastores de Vírgilio tocavam avenas e outras cousas
E cantavam de amor literariamente
(Dizem - eu nunca li Vírgilio.
Para que o havia eu de ler?)

Mas os pastores de Vírgilio, coitado, são Vírgilio,
E a natureza é bela e antiga

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Catulo, 13 - Outra tradução

Cenabis bene, mi Fabulle, apud me
paucis, si tibi di fauent, diebus,
si tecum attuleris bonam atque magnam
cenam, non sine candida puella
et uino et sale et omnibus cachinnis.
haec si, inquam, attuleris, uenuste noster,
cenabis bene: nam tui Catulli
plenus sacculus est aranearum.
sed contra accipies meros amores
seu quid suauius elegantiusuest:
nam unguentum dabo, quod meae puellae
donarunt Ueneres Cupidinesque;
quod tu cum olfacies, deos rogabis,
totum ut te faciant, Fabulle, nasum.


Jantarás bem, Fabulo, em minha casa,
muito em breve se os deuses te ajudarem,
se contigo levares farto e bom
jantar, e não sem fina artista, vinho,
graça e as risadas todas. Isso tudo,
se levares, encanto meu, garanto,
jantarás bem, pois teu Catulo tem
o bolso cheio de teias de aranha.
Em troca aceitarás meros amores
E o que há de mais suave ou elegante,
Pois um perfume te darei que à minha
Garota Vênus e os Cupidos deram,
Que ao sentires aos deuses vais pedir
Te façam, Fabulo, todo nariz.

[Tradução: João Angelo Oliva Neto]

Marcial # 5

Declamas belle, causas agis, Attice, belle;
historias bellas, carmina bella facis;
componis belle mimos, epigrammata belle;
bellus grammaticus, bellus es astrologus,
et belle cantas et saltas, Attice, belle;
bellus es arte lyrae, bellus es arte pilae.
Nil bene cum facias, facias tamen omnia belle,
uis dicam quid sis? Magnus es ardalio.

Tu lindamente declamas e lindamente advogas;
Histórias lindas tu fazes, Ático, lindos versos...
Mimos compões lindamente e lindamente,
[epigramas;
és um gramático lindo, um lindo astrólogo és.
Ó Ático, cantas lindo, e lindamente tu danças;
Na arte da lira és lindo, és lindo na arte da bola.
Embora não faças nunca nada bem, todavia
Tu sempre todas as coisas fazes tão lindamente...
Queres que eu diga o que és? Tu és um grande
[metido!

[Tradução: Ariovaldo A.Peterlini]

Marcial # 4

Cotile, bellus homo es: dicunt hoc, Cotile, multi.
Audio: sed quid sit, dic mihi, bellus homo?
"Bellus homo est, flexos qui digerit ordine crines,
balsama qui semper, cinnama semper olet;
cantica qui Nili, qui Gaditana susurrat,
qui mouet in uarios bracchia uolsa modos;
inter femineas tota qui luce cathedras
desidet atque aliqua semper in aure sonat;
qui legit hinc illinc missas scribitque tabellas;
pallia uicini qui refugit cubiti;
qui scit quam quis amet, qui per conuiuia currit,
Hirpini ueteres qui bene nouit auos."
Quid narras? Hoc est, hoc est homo, Cotile, bellus?
Res pertricosa est, Cotile, bellus homo.


Que homem lindo tu és, ó Cótilo, muitos dizem.
Isso eu ouço, mas me diz? O que é um homem lindo?
“Um homem lindo é quem traz bem repartido o
[cabelo
que sempre a bálsamo cheira, quem cheira o
[cinamomo
quem as cantigas do Nilo ou de Cádiz cantarola,
quem com meneios gentis move os braços depilados;
quem o dia inteiro passa entre mulheres sentado,
a sussurrar-lhes no ouvido sempre algum mexerico;
quem escreve e lê bilhetes, daqui, dali mandados;
quem sempre as vestes desvia dos cotovelos vizinhos,
quem sabe quem ama quem, quem corre pelos
[banquetes;
quem sabe os velhos avós até do cavalo Hirpino.”
Que me dizes? É isto, é isto um homem lindo, ó
[Cótilo?
Que coisa mais esquisita, ó Cótilo, é um homem
[lindo!

[Tradução: Ariovaldo A.Peterlini]

Horácio 4, 7: Outra tradução

Diffugere nives, redeunt iam gramina campis
arboribusque comae;
mutat terra vices et decrescentia ripas
flumina praetereunt;
Gratia cum Nymphis geminisque sororibus audet
ducere nuda choros.
immortalia ne speres, monet annus et almum
quae rapit hora diem.
frigora mitescunt zephyris, ver proterit aestas
interitura, simul
pomifer autumnus fruges effuderit, et mox
bruma recurrit iners.
damna tamen celeres reparant caelestia lunae;
nos ubi decidimus,
quo pius Aeneas, quo Tullus dives et Ancus,
pulvis et umbra sumus.
quis scit an adiciant hodiernae crastina summae
tempora di superi?
cuncta manus avidas fugient heredis, amico
quae dederis animo.
cum semel occideris et de te splendida Minos
fecerit arbitria,
non, Torquate, genus, non te facundia, non te
restituet pietas;
infernis neque enim tenebris Diana pudicuni
liberat Hippolytum,
nec Lethaea valet Theseus abrumpere caro
viucula Pirithoo.


Já fugiram as neves, torna aos campos
A relva, e a grenha às àrvores:
Muda a terra a estação, no leito correm
os rios já minguados:
Com as ninfas e irmãs gêmeas ousa a graça
Guiar despida os coros,
O ano, e a hora, que o almo dia rouba,
Te avisam, que não esperes
Coisa imortal: os frios se amaciam
Com os zéfiros, o estio
A primavera calca, precedeiro,
Quando espalhar os frutos
O pomífero outono: eis volta o inverno
Inerte; mas as luas
Presto reparam os celestes danos.
Nós mal caímos, onde
Éneas pio, rico Tulo e Anco
Já somos pó e sombra.
Quem sabe, os tempos de manhã se ajuntam
Aos de hoje os altos deuses?
Foge às àvidas mãos do herdeiro, quanto
Dás a teu gênio amigo.
Como uma vez morreres, e a esplendente
Sentença te der Minos,
Nem linhagem, Torquato, nem facúndia,
Nem virtude te livra;
Que nem das trevas infernais Diana
Casto Hipólito salva,
Nem as prisões de letes Teseu pode
Quebrar ao seu Piritôo.


[Tradução: Elpino Duriense]

sexta-feira, janeiro 18, 2008

Horácio 4,7

Vão-se as neves e torna a grama aos campos
E as árvores as folhas;
O ano muda a terra,volta o rio
às margens, decrescendo.
graças e ninfas, gêmeas, ousam nuas
reger coros de dança.
Nada esperes do eterno, os anos fogem,
dias, horas te advertem.
Menos frios, mais zéfiros, Verão
expulsa primavera
por sua vez defunta às mãos do Outono,
que, com todos seus frutos,
pelo estéril Inverno é sucedido.
Céleres meses os celestes males
vão reparando; e nós
lá onde estão Enéias, Anco, Tulo...
Sombra e pó somos.
Mas quem sabe darão os deuses outro
tempo, esgotado o nosso?
-Ao menos salvarás de teus herdeiros
Torquato, o que gozaste:
Quando Minos esplêndido julgar-te
após morreres, não
te ressuscitarão tua eloquência,
tua estirpe, teus dotes:
Nem Diana do inferno arranca seu
Hipólito pudico,
Nem forças Teseu tem para livrar
seu Piritôo querido.

[Tradução: Mário Faustino]

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Ilíada VI., 450-461

A dor futura deles, dos troianos, de Hécuba,
do rei Príamo,dos muitos e bravos irmãos
que por mãos inimigas rolarão no pó
não me acabrunha tanto, quanto imaginar-te
cativa de um Aqueu, arnês-de-bronze, e em prantos
arrastada, do dia livre expulsa para Argos,
reduzida a bordar às ordens de uma estranha
ou buscar água à fonte Hiperéia e a Masseide,
mesmo que a contragosto, amarga, dura sina.
E vendo-te a chorar alguém dirá: 'É a viúva
de Héctor, o mais forte entre os guerreiros de Tróia,
doma-corcéis, que em torno de Ílion combatiam.

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Troianos

São nossos esforços os dos infortunados;
são nossos esforços como os dos troianos.
Conseguimos um pouco; um pouco
levantamos a cabeça; e começamos
a ter coragens e boas esperanças.
Mas sempre surge alguma coisa que nos pára.
Aquiles junto ao fosso à nossa frente
surge e com grandes gritos assusta-nos.
São nossos esforços como os dos troianos.
Cuidamos que mudaremos com resolução
e valor a contrariedade da sorte,
e estamos cá fora para lutar.
Mas, quando vier o momento decisivo,
o nosso valor e a nossa resolução perdem-se;
a nossa alma fica alterada, paralisa;
e em redor das muralhas corremos
à procura de nos salvarmos pela fuga.
Porém a nossa queda é certa. Em cima,
nas muralhas já começou o pranto.
Choram pelas memórias e os sentimentos dos nossos dias.
Amargamente choram por nós Príamo e Hécuba.

[Tradução: Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Prastinis]

sexta-feira, janeiro 11, 2008

Antologia grega: A questão homérica

Sobre o que te é ignoto interrogaste-me:
a linhagem e a pátria da Sereia
ambrósio-canora. Ítaca é a terra
natal de Homero. Foi seu pai Telêmaco
e sua mãe, Policeste, uma Nestóride.
Esse homem deles vem - polipansábio.

[Tradução Haroldo de Campos]*

*Trata-se da resposta da Pítia ao imperador Adriano (A.D.117-138), quando este a interrogou sobre o local de nascimento e a estirpe de Homero.

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!

Namorados

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
- Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
- Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagartixa listada?
A moça se lembrava: - A gente fica olhando…
A meninice brincou de novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
- Antônia, você parece uma lagartixa listada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
- Antônia, você é engraçada! Você parece louca.


Manuel Bandeira

terça-feira, janeiro 01, 2008

O ano passado não passou,
continua incessantemente.
Em vão marco novos encontros.
Todos são encontros passados.

As ruas, sempre do ano passado,
e as pessoas, também as mesmas,
com iguais gestos e falas.
O céu tem exatamente
sabidos tons de amanhecer,
de sol pleno, de descambar
como no repetidíssimo ano passado.

Embora sepultos, os mortos do ano passado
sepultam-se todos os dias.
Escuto os medos, conto as libélulas,
mastigo o pão do ano passado.

E será sempre assim daqui por diante.
Não consigo evacuar
o ano passado.