quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Ovídio - Os Amores I

Ser de Homero rival lembrou-me um dia;
Cantar guerras, heróis; e em nobres voôs
Á grandeza do assunto alçar meus versos.
Já na destra o clarim, na fronte os louros,
Na mente a glória, me ensaiva aos cantos.
Riu-se Cupido...e rindo-se furtou-me
O laurel, o instrumento;
De rosas e de murtas
Croou-me num momento;
Pôs-me nas mãos a lira
Tão cara à mãe de Amor.

Quem te deu esse jus em poesia,
Vão menino, cruel invasor?
Tem as musas em nós sob'rania
Não são vates vassalos de Amor.

Que seria se Vênus tomasse
Suas armas à Deusa guerreira?
Se Minerva co' o sesto se ornasse?
Loura Ceres nos bosques reinasse?
E esquecida da caça ligeira
Fosse às messes Diana imperar?
Deve intonso pacífico Apolo
Adornar-se co' a lança da morte?
Saberia na mão do Mavorte
branda lira seus sons espalhar?

Vasto como o universo é teu domínio,
Sobejo o teu poder. Para que aspiras,
Menino ambicioso, a mais impérios?
Por tudo o mais ser teu, há-de ser tua
A Castália? o Parnaso? e Cirra? e Tempe?
No grêmio ao Deus da lira, a própria lira
não ficará segura?
Apenas tenho escrito uma só linha
em majestoso estilo
Ei-lo acode a afrouxar-me e a destrui-lo!

"Amor, Amor!" - lhe disse - "É vã tua fadiga.
Não tenho que pintar nos curtos versos teus.
Não tenho Adônis lindo, ou linda rapariga,
A quem tribute o canto, e que remonte aos céus."

Ouvindo o meu queixume, abre em silêncio a aljava;
Dentre mil setas de ouro a mais aguda extrai;
No arco a imbebe; e enquanto ao peito ma apontava
"Se assunto queres" - diz - "na frecha assunto vai"

Céus! Que mudança
N'alma liberta!
Que mão tão certa!
Que íntimo golpe!
Que acerba dor!

Deliro em turbidos,
Novos afectos!
Queimo-me, abraso-me!
Adeus projetos;
No peito indômito
Já reina amor.

Pois que é fado, e o quis um nume,
o nume que excede aos mais,
iremos soltar na lira
Verso brando ao som dos ais.

Adeus glória, adeus combates!
Adeus vós e o metro vosso!
Eu, queria; amor opôs-se...
Amor se opôe, já não posso.

Nas tranças Idália murta,
Inglório plectro na mão,
Vem pois, Musa, e em verso humilde
Cantemos a escravidão!

Tradução: Antônio Feliciano de Castilho

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