quarta-feira, março 19, 2008

Os trabalhos e os dias, vv. 42-105: O Mito de Prometeu e Pandora

Oculto retém os deuses o vital para os homens;
senão comodamente em um só dia trabalharias
para teres em um ano, podendo em ócio ficar;
acima da fumaça logo o leme alojarias,
trabalhos de bois e incansáveis mulas se perderiam.
Mas Zeus encolerizado em suas entranhas ocultou,
pois foi logrado por Prometeu de curvo-tramar;
por isso para os homens tramou tristes pesares:
ocultou o fogo; E de novo o bravo filho de Jápeto
roubou-o do tramante Zeus para os homens mortais
em oca férula, dissimulando-o de Zeus frui-raios.
Então encolerizado disse o agrega-nuvens Zeus:
"Filho de Jápeto, sobre todos hábil em tuas tramas,
apraz-te furtar o fogo fraudando-me as entranhas;
grande praga para ti e para os homens vindouros!
Para esses em lugar do fogo eu darei um mal e
todos se alegrarão no ânimo, mimando muito este mal".
Disse assim e gargalhou o pai dos homens e dos deuses;
ordenou então ao ínclito Hefesto muito velozmente
terra à água misturar e aí pôr humana voz e
força, e assemelhar de rosto às deusas imortais
esta bela e deleitável forma de virgem; e a Atena
ensinar os trabalhos, o polidédaleo tecido tecer;
e à àurea Afrodite à volta da cabeça verter graça,
terrível desejo e preocupações devoradoras de membros.
Aí por espírito de cão e dissimulada conduta
determinou ele a Hermes mensageiro Argifonte.
Assim disse e obedeceram a Zeus Cronida Rei.
Rápido o ínclito Coxo da terra plasmou-a
conforme recatada virgem, por desígnios do Cronida;
Atena, deusa de glaucos olhos, cingiu-a e adornou-a;
deusas Graças e soberana Persuasão em volta
do pescoço puseram colares de ouro e a cabeça,
com flores vernais, coroaram as bem comadas Horas
e Palas Atena ajustou-lhe ao corpo o adorno todo.
Então em seu peito, Hermes Mensageiro Argifonte
mentiras, sedutoras palavras e dissimulada conduta
forjou, por desígnios do baritonante Zeus. Fala
o arauto dos deuses aí pôs e esta mulher chamou
Pandora, porque todos os que têm olímpia morada
deram-lhe um dom, um mal aos homens que comem pão.
E quando terminou o íngreme invencível ardil,
a Epimeteu o pai enviou o ínclito Argifonte
veloz mensageiro dos deuses, o dom levando; Epimeteu
não pensou no que Prometeu lhe dissera jamais dom
do olímpio Zeus aceitar, mas que logo o devolvesse
para mal nenhum nascer aos homens mortais.
Depois de aceitar, sofrendo o mal,ele compreendeu.
Antes vivia sobre a terra a grei dos humanos
a recato dos males, dos difíceis trabalhos,
das terríveis doenças que ao homem põem fim;
mas a mulher, a grande tampa do jarro alçando,
dispersou-os e para os homens tramou tristes pesares.
Sozinha, ali, a Expectação [Elpís]em indestrutível morada
abaixo das bordas restou e para fora não
voou, pois antes repôs ela a tampa no jarro,
por desígnios de Zeus porta-égide, o agrega-nuvens.
Mas outros mil pesares erram entre os homens;
plena de males, a terra,pleno, o mar;
doenças aos homens, de dia e de noite,
vão e vêm, espontâneas, levando males aos mortais,
em silêncio, pois o tramante Zeus a voz lhes tirou.
Da inteligência de Zeus não há como escapar!

Tradução: Mary de Camargo Neves Lafer

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá! Excelente escolha de poemas! Adorei os Haikais, principalmente o terceiro de Bashô. Gosto muito de Hesíodo também, fiz um trabalho sobre a Teogonia na faculdade. Ah, sobre a tradução da ode I - 11 de Horácio, não é minha não (obrigada pelo toque!), é de um professor da Unicamp, mas ainda estou verificando o nome dele... Até mais, continue assim!