segunda-feira, fevereiro 09, 2009

O reconhecimento de Penélope - Odisséia, XXIII. 173- 240

Disse-lhe,então, em resposta, Penélope muito sensata:
"Homem estranho! Não sinto desprezo, nem sou orgulhosa,
nem em excesso te admiro, pois bem sei que traços tu tinhas
antes de te ires desta ilha em navios de remos compridos.
Mas enfim, seja! Euricléia, prepara-lhe o sólido leito
fora do quarto de bela feitura construído por ele.
A cama, pois, lhe prepara do lado de fora e recobre
com boas peles e mantos e colchoas de linha esplendente."
Isso disse ela, com o fim de provar o marido. Odisseu
muito indignado se vira e responde à consorte prudente:
"Essas palavras, mulher, me excruciam, realmente, o imo peito.
Quem pôde o leito tirar do lugar? Mui difícil se-lo-ia
para qualquer dos mortais, embora hábil. Só mesmo um dos deuses
conseguiria, sem grande trabalho, mudá-lo de sítio.
Mas nenhum homem que vive da terra, conquanto mui forte,
o poderia abalar facilmente; um sinal tinha outrora,
particular, esse leito bem-feito, que eu próprio construíra.
Uma oliveira de espessa folhagem no pátio crescera;
como coluna era o tronco maciço depois de florido.
À volta dele elevei minha câmara, até vê-la pronta,
toda de filas de pedras e um teto bem-feito por cima.
Sólidas portas lhe pus, trabalhadas com muito carinho.
Só depois disso cortei a folhagem da grande oliveira,
e o tronco todo lavrei, desde baixo, alisando-o com bronze,
muito hablilmente, tomando as medidas de tudo com fio,
para em um pé transformá-lo, da cama, furando-o com trado.
Desse começo construí toda a cama, até vê-la concluída,
pondo-lhe vários enfeites de prata, marfim e ouro puro,
e distendendo umas tiras de couro, de brilho purpúreo.
Eis o sinal que me apraz revelar-te. No entanto, ora ignoro
se ainda está firme o meu leito no mesmo lugar, ou se acaso
tendo cortado bem cerce a oliveira, dali o removeram."
Isso disse ele; abalou-se-lhe o peito, fraquearam-lhe os joelhos,
reconhecendo o sinal que Odisseu, tão preciso, dissera.
Logo para ele, direita, correu, lacrimosa, e passando-lhe
os braços pelo pescoço, beijou-lhe a cabeça e lhe disse:
"Não te enraiveças comigo, Odisseu, visto seres dos homens
o mais sensato. Infortúnios bastantes os deuses nos deram,
não consentindo que, juntos, viver aqui sempre pudéssemos
e a juventude gozar, té não ser a velhice chegada.
Não fiques, pois, agastado, nem faças nenhuma censura
por não te haver, no primeiro momento, corrido a abraçar-te.
O coração no imo peito se achava em constante receio
de que pudesse alguém vir enganar-me com ditos falazes,
pois muitos homens, realmente, meditam maldosos desígnios.
A própria Helena da Argólida, filha de Zeus poderoso,
jamais ao leito de um homem de fora teria subido
se, porventura, pudesse saber que os Aqueus belicosos
para o palácio de novo a trariam, à terra nativa.
Um deus, sem dúvida, a fez praticar tal ação vergonhosa,
sem que tivesse, realmente, no espírito a culpa funesta
premeditado, que a origem nos foi de tão grande infortúnio.
Ora, porém, que mostrasse saber o sinal evidente
do nosso leito, que nunca mortal jamais teve ante aos olhos,
a não ser nós e uma serva somente, entre todas as fâmulas,
a filha de Áctor, que, ao vir para aqui, por meu pai foi dada,
e nos guardou sempre as portas do tálamo forte e bem-feito,
o coração convenceste-me, embora receoso estivesse."
Essas palavras no herói despertaram o pranto incontido;
e a soluçar apertava nos braços a esposa querida.
Tal como a vista da terra distante é agradável aos náufragos,
quando, em mar alto, o navio de boa feitura Posido
faz soçobrar, sob o impulso dos ventos e de ondas furiosas;
poucos conseguem chegar até o firme, nadando nas ondas
de cor escura, com os membros cobertos de espessa salsugem,
e ledos pisam a praia, enfim tendo da Morte escapado;
do mesmo modo a Penélope a vista do esposo era cara,
sem que pudesse dos cândidos braços, enfim,desprendê-lo.

Tradução de Carlos Alberto Nunes

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