domingo, dezembro 27, 2015

Hino Órfico 71: Melínoe

[Μηλινόης], θυμίαμα ἀρώματα.

Μηλινόην καλέω, νύμφην χθονίαν, κροκόπεπλον,
ἣν παρὰ Κωκυτοῦ προχοαῖς ἐλοχεύσατο σεμνὴ
Φερσεφόνη λέκτροις ἱεροῖς Ζηνὸς Κρονίοιο,
ἧι ψευσθεὶς Πλούτων' ἐμίγη δολίαις ἀπάταισι,
θυμῶι Φερσεφόνης δὲ δισώματον ἔσπασε χροιήν, (5)
ἣ θνητοὺς μαίνει φαντάσμασιν ἠερίοισιν,
ἀλλοκότοις ἰδέαις μορφῆς τύπον † ἐκπροφαίνουσα,
ἄλλοτε μὲν προφανής, ποτὲ δὲ σκοτόεσσα, νυχαυγής,
ἀνταίαις ἐφόδοισι κατὰ ζοφοειδέα νύκτα.
ἀλλά, θεά, λίτομαί σε, καταχθονίων βασίλεια, (10)
ψυχῆς ἐκπέμπειν οἶστρον ἐπὶ τέρματα γαίης,
εὐμενὲς εὐίερον μύσταις φαίνουσα πρόσωπον.

[de Melínoe], fumigação: ervas aromáticas

A Melínoe eu chamo, ninfa ctônia em cróceo véu,
que junto à foz do Cocito deu à luz insigne
Perséfone, no sacro leito de Zeus Crônio;
uniu-se a ela ludibriado Plutão com ardis astutos,
ardoroso arrancou a dúplice pele de Perséfone*. (5)
Ela enlouquece os mortais com nevoentos fantasmas,
em estranhas imagens desvelando suas formas,
ora  às claras ora em sombras,  noturno cintilar
em encontros hostis nas trevas da noite.
Vamos, Deusa, suplico-te, subtérrea rainha, (10)
envia o furor da alma para os confins da terra,
benévola sacratíssima face revela aos iniciados.

Tradução: Rafael Brunhara

* O verso de mais difícil interpretação do mais difícil Hino Órfico: o que significa a "dúplice pele" de Perséfone? A tradução adotada segue a interpretação de Gessner e Athanassakis, que sugerem ser a dúplice pele (no original  δισώματον, disómaton, "dois corpos") referência à dupla natureza da Deusa, ao mesmo tempo relacionada a Hades e ao pai Zeus. O ardor sexual do pai pela própria filha faz sua pele romper-se no enlace. 

Entendo assim que é "Zeus Crônio" o sujeito do verbo ἐμίγη (emíge, "misturou-se", "uniu-se"), embora admita a ambiguidade suscitada por ψευσθεὶς Πλούτων, que possibilita duas traduções: (Ele, s.c. Zeus) depois de Plutão ser ludibriado, une-se a Perséfone;  ou "Falaz Plutão uniu-se à Perséfone"

 A passagem é aberta às mais diversas conjecturas, devido às poucas informações a respeito da divindade e ao texto grego pleno em ambiguidades. Contudo, a tradução tenta, na medida do possível, conservar as ambiguidades do texto grego,  vistas estas como significativas para o  efeito geral causado pelo hino e próprias da epifania da divindade -- justamente nevoento fantasma que desvela suas formas em imagens estranhas (v. 7). 


Nenhum comentário: