terça-feira, agosto 09, 2016

Safo, fr. 31 - Tradução de André Malta

idêntico aos deuses parece-me
ser o homem que em frente a você
se senta, e a ouve falar do-
ce bem de perto

e rir de desejo – isso sim
me abala o coração no peito,
que mal a vejo e não há fa-
la mais em mim,

mas minha língua falha e leve
na pele um fogo logo espalha-se,
nos olhos nada olho e zu-
nem-me os ouvidos,

e o suor me escorre e o tremor
me toma toda, e estou mais pálida
que esta folha – e estar quase morta
é o que pareço.

[Trad.: André Malta]

domingo, abril 03, 2016

Hino Órfico 77: Memória [Mnemosine]

Μνημοσύνης, θυμίαμα λίβανον


Μνημοσύνην καλέω, Ζηνὸς σύλλεκτρον, ἄνασσαν,
ἣ Μούσας τέκνωσ' ἱεράς, ὁσίας, λιγυφώνους,
ἐκτὸς ἐοῦσα κακῆς λήθης βλαψίφρονος αἰεί,
πάντα νόον συνέχουσα βροτῶν ψυχαῖσι σύνοικον,
εὐδύνατον κρατερὸν θνητῶν αὔξουσα λογισμόν,
ἡδυτάτη, φιλάγρυπνος ὑπομνήσκουσά τε πάντα,
ὧν ἂν ἕκαστος ἀεὶ στέρνοις γνώμην κατ<ά>θηται,
οὔτι παρεκβαίνουσ', ἐπεγείρουσα φρένα πᾶσιν.
ἀλλά, μάκαιρα θεά, μύσταις μνήμην ἐπέγειρε
εὐιέρου τελετῆς, λήθην δ' ἀπὸ τῶν<δ'> ἀπόπεμπε.

De Memória [Mnemosine], Fumigação: Olíbano

Memória eu chamo, a consorte de Zeus, soberana
que engendrou as Musas, divinas sagradas claras cantoras,
longe sempre do terrível Oblívio demente [Lete]
conservas a inteligência que em almas mortais convive,
bem poderosa forte elevas a razão humana,
dulcíssima vigilante recordando os pensamentos
que cada um sempre deposita no peito,
sem descaminhos despertando a mente em todos.
Vem, venturosa deusa, nos iniciados a memória dos mistérios
despertas, sacratíssimo rito: o oblívio expedes para longe!

[Tradução Rafael Brunhara]

domingo, fevereiro 07, 2016

Íbico : "Eros, de novo, sob pálpebras sombrias" / trad. Décio Pignatari (fragmento 287)

Eros, de novo, sob pálpebras sombrias,
Lança-me olhares molhados
De manhas mil,
E me enreda nas malhas cerradas
Da deusa da beleza.
À sua aproximação,
Tremo
Como um cavalo atrelado,
Antes pronto a vencer,
Agora hesitante
Ante carros mais rápidos.


Fonte:

ÍBICO. In: PIGNATARI, Décio. 31 poetas 214 poemas. De Rigveda e Safo a Apollinaire. Uma antologia pessoal de poemas traduzidos, com notas e comentários. Campinas: Unicamp, 2007.

sábado, janeiro 16, 2016

Calímaco Fragmento 110 - A Coma de Berenice


"Coma de Berenice" - Ambrogio Borghi (1878)

Todo o território do estelário viu nos traços por onde vão [os astros]...
...
mirou-me Cônon no céu trança
de Berenice que ela aos deuses todos dedicou
...
[noturno signo do certame]

[magnânimo]

por tua cabeça jurei, por tua vida

prole em prata de Teia [1] sobreleva-se,
grosso aguilhão de Arsínoe tua mãe, Atos,
por ele fenderam funestas naus dos Medos [2].
Ó cabelos, que faremos, quando montes tais ao ferro
cedem? Dos Cálibes [3] prouvera pereça a raça;
a planta ruim, a brotar da terra, a revelaram (50)
primeiro, e dos martelos ensinaram o ofício.
assim que fui cortada tranças irmãs saudosas me choravam
e de súbito o irmão de Mêmnon Etíope [4]
lançou-se turbilhonando ligeiras asas femíneo vento
corcel de Lócria Arsínoe em purpúreo jugo (55)
em sopro pelo ar úmido levou-me
no seio de Cípris pôs-me
a própria Zefirítide [5] para este fim
....da praia de Canopo habitante.
para que da noiva minoica (60) [6]
...aos homens não sozinha
luzisse no enorme [estelário] conto-me
também eu a bela coma de Berenice.
nas águas me banho aos imortais me elevo [7]
Cípris entre astros prístinos nova estrela pôs-me. (65)

à frente dirigind...outonal...ao Oceano

[...]não te enfureças[...] de Ramnúsia ninguém refreará [8]
boi o verbo...............(?).........(passo?)
....(?)......audaz...os outros astros
...
isso não me traz tanto prazer quanto a dor
que por aquela cabeça eu choro não mais tocá-la
que desde ainda virgem muitos bebera
frugais perfumes, sem fruir os de mulheres...[9]

Tradução: Rafael Brunhara


Πάντα τὸν ἐν γραμμαῖσιν ἰδὼν ὅρον ᾗ τε φέρονται
...
η με Κόνων ἔβλεψεν ἐν ἠέρι τὸν Βερενίκης
βόστρυχον ὃν κείνη πᾶσιν ἔθηκε θεοῖς

[σύμβολον ἐννυχίης...ἀεθλοσύνης?]

[μεγάθυμον?]

σήν τε κάρην ὤμοσα σόν τε βίον

ἀμνά]μ̣ω̣[ν Θείης ἀργὸς ὑ]π̣ε̣ρ̣φέ̣[ρ]ε̣τ̣[αι,
βουπόρος Ἀρσινόη̣⌊ς μ⌋ητρὸς σέο, καὶ διὰ μέ̣[σσου
Μηδείων ὀλοαὶ νῆες ἔβησαν Ἄθω.
τί πλόκαμοι ῥέξωμεν, ὅτ' οὔρεα τοῖα σιδή[ρῳ
εἴκουσιν; Χαλύβων ὡς ἀπόλοιτο γένος,
γειόθεν ἀντέλλοντα, κακὸν φυτόν, οἵ μιν ἔφ⌊ηναν (50)
πρῶτοι καὶ τυπίδων ἔφρασαν ἐργασίην.
ἄρτι [ν]εότμητόν με κόμαι ποθέεσκον ἀδε[λφεαί,
καὶ πρόκατε γνωτὸς Μέμνονος Αἰθίοπος
ἵετο κυκλώσας βαλιὰ πτερὰ θῆλυς ἀήτης,
ἵ̣ππ̣ο[ς] ἰοζώνου Λοκρίδος Ἀρσινόης, (55)
.[.]ασε̣ δὲ πνοιῇ μ̣ε, δι' ἠέρα δ' ὑγρὸν ἐνείκας
Κύπρ]ιδος εἰς κόλ⌊πους ἔθηκε
αὐτή⌋ μιν Ζεφυρῖτις ἐπὶ χρέο[ς
....Κ]ανωπίτου ναιέτις α[ἰγιαλοῦ.
ὄφρα δὲ] μὴ νύμφης Μινωίδος ο[ (60)
.....]ος ἀνθρώποις μοῦνον ἐπι.[ ,
φάες]ι̣ν ἐν πολέεσσιν ἀρίθμιος ἀλλ̣[ὰ γένωμαι
καὶ Βερ]ενίκειος καλὸς ἐγὼ πλόκαμ[ος,
ὕδασι] λ̣ουόμενόν με παρ' ἀθα̣[νάτους ἀνιόντα
Κύπρι]σ̣ ἐν ἀρχαίοις ἄστρον [ἔθηκε νέον. (65)
]
]
⌊πρόσθε μὲν ἐρχομεν.. μ̣ε̣τ̣οπωρ̣ι̣ν̣ὸν⌋ Ὠκ]ε̣α̣νό̣ν̣δε
].ο[
ἀ]λ̣λ' εἰ κα̣[ι ].....ν
].. ιτη[
μὴ ]κ̣οτέσῃ[ς, Ῥαμνουσιάς· οὔτ]ι̣ς ἐρύξει
βοῦς ἔπος⌋ ]η...[ ].[ ].βη
].[.]ε̣λε̣.[ ].θράσος ἀ[στ]έρες ἄλλοι
]ν̣δινειε.[ ]ο̣σ̣οσο[.]τ̣εκ.[.]ω·
110.75
οὐ⌋ τάδ⌊ε⌋ μοι τοσσήνδε̣ φ⌊έ⌋ρ̣ε̣ι̣ χάρι̣ν̣ ὅσ̣[σο]ν ἐκείνης
ἀ]σχάλλω κορυφῆς οὐκέ̣τ̣ι̣ θιξό̣μεν[ος,
ἧς ἄπο, παρ[θ]ενίη μὲν ὅτ' ἦν ἔτι, πολλ⌊ὰ πέ⌋πωκα
λι⌊τ⌋ά, γυναικείων δ' οὐκ ἀπέλαυσα μύρων.


*Berenice, esposa do rei Ptolomeu III, como professa o costume, dedicara à Afrodite uma trança de seu cabelo pelo retorno bem-sucedido do marido de sua campanha na Ásia. Mas a trança desaparece misteriosamente, e Cônon,astrônomo da corte, a reconhece nos céus, como uma das constelações vizinhas à Ursa Maior. A lenda diz que Afrodite, Cípris, teria ficado tão encantada com a trança que a levara para si até os céus. O "Eu Lírico" do poema são os próprios cabelos de Berenice, recém-cortados.

[1] Bóreas, descendente da titânide Teia;

[2] Referência ao Monte Atos, no litoral norte do Egeu, na Calcídica; o "grosso espeto" é metáfora para os picos deste monte, atravessado pelos Persas para levar guerra aos gregos. A violência do ferro que provoca guerras é a mesma que corta os cabelos da rainha.

[3] Os Cálibes habitavam as proximidades do rio Termodonte e eram povo dedicado à metalurgia do ferro.

[4] É o vento Zéfiro, filho da Aurora, meio-irmão de Mêmnon, vento brando.

[5] A rainha do egito Arsínoe, divinizada como Afrodite Zefirítide.

[6] Noiva minoica refere-se à Coroa Boreal, constelação associada à Ariadne, filha de Minos. É a "noiva minoica" de Dioniso, que atirou sua coroa aos céus e fixou uma constelação para se provar um Deus à Ariadne e assim conquistá-la em casamento.

[7] Os astros se banham no mar antes de subir aos céus. Referência ao movimento das estrelas e constelações na alternância do dia e da noite.

[8] Ramnúsia é Nemêsis, deusa da vingança. De resto, a referência é totalmente obscura, devido à sua fragmentariedade.

[9] Os cabelos proclamam sua afeição à Berenice: lamentam tornar-se constelação, e não poderem se banhar nos perfumes próprios das mulheres casadas. Há uma distinção entre os perfumes frugais das solteiras e os que são desfrutados por mulheres casadas.



quarta-feira, janeiro 06, 2016

Ilíada IV. 473-487 - Ájax mata Simoésio (Tradução: Frederico Lourenço)

Então atingiu Ájax, filho de Télamon, o filho de Antémion —
o florescente Simoésio, ainda solteiro, que outrora a mãe
dera à luz junto às correntes do Simoente, quando descia do Ida;
pois aí se dirigira com os pais para ver os rebanhos.
Por essa razão lhe puseram o nome de Simoésio; mas aos pais
não restituiu o que gastaram ao criá-lo, pois breve foi a sua vida,
subjugado como foi pela lança do magnânimo Ájax.
Enquanto avançava entre os primeiros foi atingido no peito,
junto ao mamilo direito; e completamente lhe trespassou
o ombro a lança de bronze. No chão caiu como o álamo
que cresceu nas terras baixas de uma grande pradaria,
liso, mas com ramos viçosos na parte de cima —
álamo que com o ferro fulgente o homem fazedor de carros
cortou para com ele fabricar um lindíssimo carro,
e que deixou a secar, jazente, na ribeira de um rio.

HOMERO. Ilíada. Tradução de Frederico Lourenço. São Paulo: Cia. das Letras. 2012.

segunda-feira, janeiro 04, 2016

Shakespeare - Soneto XVII - Tradução de Leonardo Antunes

Quem vai acreditar mais tarde nos meus versos
Se acaso os preencher com teus sublimes dons?
Por mais que os céus percebam como são dispersos
Os traços com que tento recriar teus tons.
Se descrevesse a formosura em teu olhar
E recontasse a conta de teus dotes todos,
"Mentiras" no futuro iriam as chamar,
"Deidade semelhante é viva só no engodo".
Assim seria o meu poema envelhecido
Tratado como tratam velhos já senis,
E julgariam tudo que te é merecido
Um exagero próprio a metros infantis.
Mas, caso viva um filho teu no tempo acima,
Terás a vida dupla: nele e nestas rimas.

Who will believe my verse in time to come,
If it were fill'd with your most high deserts?
Though yet, heaven knows, it is but as a tomb
Which hides your life and shows not half your parts.
If I could write the beauty of your eyes
And in fresh numbers number all your graces,
The age to come would say 'This poet lies;
Such heavenly touches ne'er touch'd earthly faces.'
So should my papers yellow'd with their age
Be scorn'd like old men of less truth than tongue,
And your true rights be term'd a poet's rage
And stretched metre of an antique song:
But were some child of yours alive that time,
You should live twice; in it and in my rhyme.

Fonte: Antunes, C.L.B. "William Shakespeare: Sonetos XVII, XVIII e XXIX. Tradução e Comentário" In Translatio, n.9. Porto Alegre: UFRGS, 2015.

domingo, janeiro 03, 2016

Li Shang-Yin: duas traduções [Sem título]

Tradução de Haroldo de Campos

Vê-la é difícil. Não vê-la, mais difícil.

Que pode o vento este contra as flores cadentes?

Bichos-da-seda se obsedam até a morte com seu fio.

A lâmpada se extingue em lágrimas: coração e cinzas.

No espelho, seu temor: o toucado da nuvem.

À noite, seu tremor: os friúmes da lua.

Não é longe, daqui ao Monte P'eng:

Aveazul, olho-azougue, fala-lhe de mim.


Tradução de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao

Ver-se é difícil; separar, tão mais difícil,
vem vento leste fraco, cem flores definham.
Segue bicho-da-seda à morte, o fio cessa,
vira-se a vela em cinza, e então, lágrimas secam.
Manhã no espelho, mudam cabelos de nuvem;
pela noite, a poesia e o frio -- raios de lua.
Ir até o Monte Peng é tanta distância:
- pássaro azul, à volta, vela sem descanso.

Fontes

 CAMPOS, H. "Arquitextura do Barroco" in: A Operação do Texto. São Paulo: Perspectiva. 1976.
PORTUGAL, Ricardo Primo & XIAO, Tan.  Antologia de Poesia Clássica Chinesa - Dinastia Tang, São Paulo: Editora da Unesp. 2013

sábado, janeiro 02, 2016

Li Bai: A cascata do Monte Lu vista de longe

Incide o sol ao Pico Incenso névoa púrpura
vê-se a torrente ao longe flui um rio suspenso
Em voo livre ao precipício se desprende
a Via Láctea a desabar da nona cúpula

Tradução de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao in Antologia de Poesia Clássica Chinesa - Dinastia Tang, São Paulo: Editora da Unesp. 2013

sexta-feira, janeiro 01, 2016

Hino Órfico 76: Musas

Μουσῶν, θυμίαμα λίβανον.

Μνημοσύνης καὶ Ζηνὸς ἐριγδούποιο θύγατρες,
Μοῦσαι Πιερίδες, μεγαλώνυμοι, ἀγλαόφημοι,
θνητοῖς, οἷς κε παρῆτε, ποθεινόταται, πολύμορφοι,
πάσης παιδείης ἀρετὴν γεννῶσαι ἄμεμπτον,
θρέπτειραι ψυχῆς, διανοίας ὀρθοδότειραι, (5)
καὶ νόου εὐδυνάτοιο καθηγήτειραι ἄνασσαι,
αἳ τελετὰς θνητοῖς ἀνεδείξατε μυστιπ[ο]λεύτους,
Κλειώ τ' Εὐτέρπη τε Θάλειά τε Μελπομένη τε
Τερψιχόρη τ' Ἐρατώ τε Πολύμνιά τ' Οὐρανίη τε (10)
Καλλιόπηι σὺν μητρὶ καὶ εὐδυνάτηι θεᾶι Ἁγνῆι.
ἀλλὰ μόλοιτε, θεαί, μύσταις, πολυποίκιλοι, ἁγναί,
εὔκλειαν ζῆλόν τ' ἐρατὸν πολύυμνον ἄγουσαι.

[Das Musas], Fumigação: Olíbano

Filhas de Memória e Zeus altissonante,
Musas Piérides, magno nome, esplêndida fama:
multiformes, as mais desejadas aos mortais, a quem vos mostrais,
engendrando a virtude impecável de toda a cultura,
nutrindo almas e ordenando pensamentos;  (5)
preceptoras soberanas da bem poderosa mente.
Aos mortais indicastes os ritos e a celebração dos mistérios,
Glória [1], Alegria [2], Festa [3], Dançarina [4],
Alegra-coro [5], Amorosa [6], Hinária [7], Celeste [8],  (10),
Belavoz[9] * e  Pura [Agne] divina mãe bem poderosa.
Peço Deusas,  vinde aos iniciados, multivariadas e puras,
trazendo a gloriosa emulação, amável e multi-hineada.

[Tradução: Rafael Brunhara]

* A tradução dos nomes das Musas segue as soluções dadas por Jaa Torrano, em sua tradução dos versos 77 a 79 da Teogonia (São Paulo: Iluminuras, 2006, 6ºed.), aos quais o poeta órfico praticamente decalca em seu hino:

[1] Clio [Κλειώ, Kleió]
[2] Euterpe [Εὐτέρπη]
[3] Talia [Θάλειά]
[4] Melpomene [Μελπομένη]
[5] Terpsícore [Τερψιχόρη]
[6] Erato [Ἐρατώ]
[7] Polímnia [Πολύμνιά]
[8] Urânia [Οὐρανίη]
[9] Calíope [Καλλιόπη]